quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Concessão macabra

Uma noite escura. O brilho da lua foi roubado por alguma das aves de rapina que sobrevoavam aquele bosque. Andávamos em silêncio por entre as árvores; parecíamos conhecer o caminho aberto na relva. Não era claro onde estávamos indo nem mesmo o porquê.

Estava vestida com um corset negro, feito de um tecido pesado, com apliques que lembram um voal. Calça colada e uma saia estranha por cima. Botas de cano longo, maquiagem pesada, cabelos lisos e soltos em estilo gótico. Ele vestia calça e camisetas cor de chumbo, botas punk e uma longa capa preta por cima. Os cabelos também estavam soltos e voavam ao toque da brisa da noite.

De vez em quando erguíamos o rosto e nos olhávamos embebidos numa malícia macabra. Certa hora uma árvore frondosa se interpos em nosso caminho. O tronco era largo o suficiente para suportar um corpo em sua base. E como nos sonhos não há muita explicação para o que surge de repente, muitas cordas apareceram nas mãos dele. Lentamente encostei na árvore e ele me amarrou a ela. Os laços marcavam as minhas carnes, aflorando uma lascívia carregada de pesar.

Quando terminou sua arte, baixou minha saia e a calça, tirou as suas próprias e me possuiu, não tirando os olhos dos meus por nenhum instante. O ritmo da respiração era a música rasgando o silêncio da floresta.

...

Exaustos, sabíamos que era imperioso prosseguir, ainda que nossos corpos quisessem permanecer ali embriagados no prazer; me soltou e me refiz, enquanto ele mesmo se recompos.

Seguimos o caminho e um clarão se fez a frente do bosque. Um barulho de água foi quebrando o silêncio e aos poucos um sorriso invadiu meus lábios. Carregava uma espécie de coleira numa das mãos e na outra um chicote de couro. Novamente o olhar que nos convidava ao instinto nos fez interromper a caminhada. Era uma linda queda d'água, naquele momento prateada pela lua baixa que refletia na margem.

Pus a coleira nele e o mandei que se abaixasse em posição de reverência. Sem muitas palavras ele o fez aguardando o açoite. Foram muitos e sonoros, embora nenhuma vez ele tenha reclamado ou mesmo gemido; apenas erguia os olhos quando me cansava.

Achei que era o suficiente. Fiz com que se erguesse e me tomasse nos braços. O momento de concessão que só o prazer nos impõe...

Sem nenhuma julgamento ou censura, seguimos até o castelo que, no meu sonho, representa a nossa vida real. Trabalho, família, compromissos, tudo que sustenta e permite que vivamos o que realmente queremos e o que é latente nos nossos corações. E quem dera pudéssemos permanecer neste caminho por mais tempo além dos sonhos...

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Drummond


Não sou de publicar poesias ou letras de música, porém eventualmente algo nos toca em proporções maiores, seja pela efemeridade do momento, seja pela delicadeza das palavras. Hoje reli este poema do Drummond num blog de uma amiga aqui de Floripa. Fez muito sentido no meu momento atual e quero partilhar com vocês!

Quero
Quero que todos os dias do ano
todos os dias da vida
de meia em meia hora
de 5 em 5 minutos
me digas: Eu te amo.

Ouvindo-te dizer: Eu te amo,
creio, no momento, que sou amado.
No momento anterior
e no seguinte,
como sabê-lo?

Quero que me repitas até a exaustão
que me amas que me amas que me amas.
Do contrário evapora-se a amação
pois ao não dizer: Eu te amo,
desmentes
apagas
teu amor por mim.

Exijo de ti o perene comunicado.
Não exijo senão isto,
isto sempre, isto cada vez mais.
Quero ser amado por e em tua palavra
nem sei de outra maneira a não ser esta
de reconhecer o dom amoroso,
a perfeita maneira de saber-se amado:
amor na raiz da palavra
e na sua emissão,
amor
saltando da língua nacional,
amor
feito som
vibração espacial.
No momento em que não me dizes:
Eu te amo,
inexoravelmente sei
que deixaste de amar-me,
que nunca me amastes antes.

Se não me disseres urgente repetido
Eu te amoamoamoamoamo,
verdade fulminante que acabas de desentranhar,
eu me precipito no caos,
essa coleção de objetos de não-amor.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

O infinito particular

Meu mundo não é nada de mais. Sou uma pessoa comum, com desejos, fraquezas, virtudes e defeitos. Sou mulher, mãe, amiga, amante, profissional e tento conciliar as tarefas domésticas, as obrigações de mãe, os compromissos profissionais e os momentos de prazer da forma mais equilibrada que consigo.

Ok, Lady, mas por que esse papo agora se todo mundo que te conhece bem sabe disso? Porque alguns dos momentos mais marcantes da vida da gente acontecem quando encontramos alguém com quem tenhamos afinidade descompromissada. Notem que tudo que falei acima implica de alguma forma em um compromisso: ser uma mulher bonita, ser uma mãe atenciosa, ser uma amiga presente, ser uma amante ardente e criativa, ser uma boa jornalista...


Pois é, meus caros, no último fim de semana eu estive no Rio de Janeiro, a terra onde vivi por mais de cinco anos e que continua linda, com umas das melhores energias que conheço, apesar dos tiros e da má fama que carrega. Fui visitar uma pessoa com quem há tempos conversava, numa afinidade tremenda e admiração crescente. ACM, o melhor bondagista da América Latina, é uma pessoa fantástica. Conhecê-lo pessoalmente provou que minha intuição continua afiada e que realmente não existem acasos.

Foram muitas horas de conversas, passeios, gravações, visitas e eu me senti desobrigada de tudo, com o único compromisso de ser eu mesma. Essa leveza tem um valor inestimável, relaxa, recarrega as baterias e dá um prazer indescritível.

Conhecendo o trabalho do ACM, fui apresentada a pessoas especiais, cheias de talento, carinho, profissionalismo. Conhecendo um pouco do infinito particular do meu querido amigo, pude ter certeza que realmente vale a pena continuar a ser como sou, encarando o fetiche como parte de uma mulher que fez um pacto com o hedonismo!

Obrigada a todos que me receberam com tanto carinho e em especial ao ACM por ser quem é e fazer parte da minha vida. "Cada um dá o que tem de melhor, não é amigo?" ;-)

domingo, 18 de outubro de 2009

Por que os homens amam as mulheres poderosas?***


Well, terminei de ler o meu último presente literário com toda a atenção do mundo por dois principais motivos: porque foi presente de alguém que amo; porque é da editora Sextante, a qual respeito muito em termos de seleção de originais.

A capa é instigante - uma perna feminina calçada em uma bota de dominatrix e um homem pequenino com uma flor oferecendo àquela mulher "gigante".

Abaixo do título a frase de auto-ajuda "Um guia para você deixar de ser boazinha e se tornar irresistível". Ok, ok, odeio livros de auto-ajuda e muito menos manuais que se propõem a dar 'receitas de bolo' para o que quer que seja. Mas acredito que um livro cumpre sua função quando atinge seu objetivo. Neste caso, o livro cumpriu porque me fez refletir sobre as minhas atitudes, herdadas ou não, erradas ou não, que pretendo valorizar e descartar.

Resumindo bem a proposta do livro, a autora Sherry Argov baseia o texto numa pesquisa realizada com centenas de homens. Segundo Sherry, 90% deles, abertamente ou não, dizem preferir as poderosas. Ela define o que é uma mulher boazinha e o que é uma mulher poderosa. Ainda segundo a autora, nenhum de nós veste apenas uma dessas personagens e sim dá prioridade a algumas características que nos tornam atraentes ou não, ou seja, poderosas ou boazinhas demais.

Enfim, tirando todo o blá blá blá, dividido em princípios de atração, ela tem razão em muita coisa. É óbvio? Infelizmente não. E sabe por quê? Porque os homens têm uma imensa dificuldade em ser claros conosco. Mesmo quando damos todas as oportunidades e nos portamos com total transparência, parece que há um botãozinho de liga-desliga que os impede de serem totalmente honestos. A maioria, na minha experiência modesta, pensa que se assim agirem serão mal interpretados ou causarão discussões desnecessárias. Pois novamente eu digo: ERRADO!

Realmente ocultando algumas verdades ou intenções, é possível evitar discussões momentâneas, mas com certeza essa "omissão da verdade" gerará outras discussões maiores e mais profundas em médio e longo prazo, e para algumas mulheres, com dores e desculpas irreversíveis.

Mas este post não é sobre homens e sim sobre nós, mulheres. Minha crítica vai justamente no oposto que ela cria entre boazinha e poderosa. Não vejo como pólos opostos e sim como complementares. A mulher desintetressante, para mim, é a otária! Ok ok, ela não poderia usar este termo num livro... Então vou tentar exemplificar meu raciocínio:

"As garotas boazinhas precisam aprender algo que as poderosas já sabem. As concessões excessivas e a ânsia de agradar diminuem o respeito que o homem tem pela mulher e acabam com a atração que inicialmente os aproximou.[...] Os homens, em geral, não se sentem desafiados quando se vêem diante de uma mulher que não mede sacrifícios para conquistá-los. Elas não oferecem o desafio mental que os homens procuram".

Traduzindo, queridas, é o velho ditado que diz que homem é como chiclete: quanto mais pisamos, mais ele gruda! A minha pergunta é "até quando vamos ter que nos relacionar com pessoas imaturas que precisam de 'mistérios' disfarçados de grosserias e dissimulações ou de joguinhos com 'moeda de troca' para manter uma relação duradoura"?

E sem essa conversa de "desafio mental"... Ser interessante, então, é ser previsível no sentido de sempre estar escondendo algo? Me desculpem, mas eu discordo! Assim como muitas mulheres porretas que vivem por aí, eu me basto, me amo, adoro minha própria companhia, sou inteligente, me sinto bonita apesar dos meus quilos a mais, e nem por isso me envergonho de demonstrar que estou triste ou que fracassei em algo. Dissimulação passa longe de atração pra mim. Pode até funcionar num primeiro momento ou para cabeças-de-ovo-choco, mas este definitivamente não é o tipo de homem que quero atrair! Além do mais, carência é algo comum que todos passam. O que é patológico é a carência PERMANENTE.

Portanto, fazer um agradinho a quem se ama, ser carinhosa, demonstrar os sentimentos (inclusive o ciúme e as emoções negativas) e ser transparente é um estilo de vida que tem um preço alto, porém garanto a vocês que é muito gratificante. Sei que quem se aproxima de mim o faz porque realmente valoriza a minha essência. Pode não ter surpresas constantes nas minhas reações, nos meus comportamentos oscilantes - de lua -, mas com certeza terá surpresas muito mais interessantes entre quatro paredes...

Sabe quem é a mulher poderosa para mim? Aquela que se valoriza! Que pode amar muito a alguém, mas que se ama em primeiro lugar. Essa jamais vai permitir que seu homem a fira de forma a violentar sua dignidade e seu amor-próprio e, se isso acontecer, o eliminará da sua vida. No mais, cada pessoa é diferente e todos nós, fatalmente, um dia magoaremos quem amamos e seremos magoados por eles... É a vida. Se fôssemos todos iguais na maneira de agir, não teríamos nenhuma graça para o outro. Deixar de melindres e buscar o equilíbrio diante dessas interpéries é o desafio dos relacionamentos que se baseiam no hedonismo e na liberdade!

Não me sinto menos forte por ter momentos de carência, por sentir falta ou saudades (alguém me disse que são conceitos diferentes...) de quem me é caro, por sentir dúvidas, por nem sempre ter pensamentos bons, por agir de forma pérfida às vezes, por sentir tristeza ou por me sentir fraca quando o mundo parece ter desabado. Até porque, meus caros, mulheres fortes sempre superam os infortúnios, por mais lágrimas que caiam de seus olhos e por mais despedaçados que estejam seus corações.

Discordo quando a autora diz que homens tendem a desrespeitar mulheres flexíveis. Ela poderia dizer que eles perdem o interesse por aquelas que sempre dizem sim ou que mudam suas vidas por eles constantemente. Porém, um homem inteligente sabe reconhecer que as mudanças oferecidas por uma mulher poderosa são fruto de uma conquista dele!
 
Concordo muito muito quando ela diz que a dignidade é a mais atraente de todas as qualidades e que as mulheres poderosas têm determinação e fé em si mesmas. Por fim, Clarice sempre é muito adequada: "Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões é que se ama verdadeiramente."

Ou seja, amor, se eu estou contigo é porque OPTEI por isso e aceito o pacote completo que veio contigo, ainda que muitas vezes eu proteste ou me culpe pelas pedras que estão no nosso caminho...

*** Post originalmente publicado no blog Delírios Diários