quarta-feira, 11 de maio de 2011

O mito da vida dupla *


Well well, de acordo com os próprios gregos, criadores do conceito de “mito”, este está ligado ao rito. Ou seja, o mito da vida dupla que quase todos os praticantes do sadomasoquismo vivem não pode ser separado do caráter simbólico, levando em consideração que um mito procura explicar a realidade, os fenômenos naturais, as origens de um comportamento e por aí vai. Ok, tem muito de pesquisa via world wide web, mas também há muito das minhas leituras e do meu empirismo aqui.

Ao mito está associado o rito. Ponto. “O rito é o modo de se pôr em ação o mito na vida do homem - em cerimônias, danças, orações e sacrifícios” (Wikipédia). Sacrifícios? O que é sacrifício para um dominador e para um submisso? E respeitando a liturgia, para um sádico ou para um masoquista?

Poderia fazer um longo apanhado aqui em cima de Kant, quando fala da fragilidade feminina e da ausência da capacidade de sublimação dos sentimentos em nome do prazer. Para o filósofo, a moralidade social, apartada entre homens e mulheres, explicaria os comportamentos de vida dupla e, talvez, pudessem ser justapostos aos conceitos que norteiam o BDSM e seus praticantes auto rotulados em personagens.

Já Sade, via Bataille, afirma que “[...] sem um elemento de acaso, sem capricho o acontecimento, não teria o mesmo alcance” (é por isso que ele é símbolo, por isso ele difere de fórmulas abstratas)” (BATAILLE, 1989, p.96). O lugar da soberania de Kant está no “Soberano Bem da ética filosófica” e a de Sade na soberania do arrebatamento? Talvez e é uma hipótese já levantada pela professora Elizabeth Bittencourt, da Universidade Federal do Paraná, membro da Sociedade de Psicanálise aqui do Rio.

Na prática, meus queridos, mesmo diante de tantos respaldos teóricos e práticos, cada um sabe bem o porquê de seus personagens, por mais marginais, ordinários e infantis que possam parecer. A vida dupla dentro do BDSM é quase uma praxe que protege seus praticantes de si mesmos e às suas sanidades. E não estou querendo dizer que quem assume seu lado B é maluco ou necessariamente tem tendência a distúrbios mentais. Estou querendo dizer que a sociedade ainda é muito hipócrita e suficientemente cruel para colocar em “parafuso” alguém que se expõe em seus dois mundos como que exibindo figurinos distintos.

E para quem acha que tudo isso é uma bobagem, eis Fernando Pessoa:
  
“O mito é o nada que é tudo.
 O mesmo sol que abre os céus
 É um mito brilhante e mudo.”


* Publicado originalmente no blog Literatura BDSM