Considerações sobre
Tops, Bottons, Dommes, Doms, Masters, Mistress, Subs, Slaves, Sadistas,
Sadeanos, Masoquistas, Sadomasoquistas, Fetichistas, Baunilhas e Switchers
O cara
entra num site e começa a ler o texto. Um festival de nomes deixa tudo mais
confuso. “Se você for switcher, bla bla bla”; “Caso for do desejo do Top, o
bottom deve blablabla”.
Afinal,
o que são essas palavrinhas que parecem denominar os papéis e dar as cartas dentro
do cenário fetichista, ou pelo menos dentro do cenário sadomasoquista?
Sabe
aquela pessoa que adora mandar, sente prazer em ser servida, amada, idolatrada,
quer ver seus desejos decifrados e realizados com maestria, dá risadas com a
humilhação dos seus servos na tentativa de lhe agradar? Esta pessoa não é o
seu chefe (pode até ser, mas neste caso não importa a profissão). Esta pessoa é
o dominador. Uma Domme ou um Dom sempre terá prazer em ser servido. Os traços
psicológicos variam bastante, mas alguns são comuns: altivez, autoritarismo,
severidade, vaidade, rigidez, sarcasmo e boa dose de ironia. Os diferenciais
sempre bem vindos são a responsabilidade, a ética com as suas ‘peças’ – nome dado
por alguns deles aos seus submissos, e o cuidado com a segurança e a integridade
de toda a cena, além da inteligência e do repertório sociocultural.
Já a
Mistress ou o Master podem cumprir o papel de dominadores, mas não
necessariamente o são. Cabe eles primordialmente serem especialistas em alguma
área ou fetiche. Portanto, o cara pode ser um Mestre Bondagista, por exemplo, e
não gostar de dominar ninguém, não querer submissos ou submissas. O prazer dele
é imobilizar e o prazer de quem está amarrado é se submeter ali, naquele
momento, à MAESTRIA daquela pessoa em determinado assunto. A Mistress pode ser
excelente hipnodomme, mas detestar vínculos. Só quer a cena e o prazer de
dominar pelas técnicas da mente. Logo, em se tratando de Masters e Mistress, o
submetido não necessariamente precisa ser submisso; pode ser um Dom, uma Domme,
um switcher, um fetichista, outro Master ou Mistress, um curioso ou aluno. A
confusão acontece porque algumas Dommes ou Doms se intitulam Masters ou
Mistress de forma equivocada. Para estar enquadrado nos últimos nomes é
preciso dominar a arte, o fetiche, e não a pessoa, ainda que seja a arte de
humilhar, a arte de espancar e por aí vai. Portanto, iniciantes dificilmente
serão Masters ou Mistress, a menos que tenham estudo ou praticado muito antes
de entrar para as sociedades fetichistas ou sadomasoquistas.
E o
Top? Que diabo é o Top ou a Top então? O bom (confortável) dos Tops é não
necessitar de nenhuma prática. Quem é Top detém notório conhecimento e
habilidade psicossocial na interação com seu grupo e os demais. O Top sempre
tem suas preferências e suas maestrias, mas muitas vezes escolhe ficar
observando ou orientando. As principais características de um Top são a
persuasão e a lealdade, já que – de acordo com o conceito desenvolvido ao longo
dos anos e presente na literatura BDSM – tratam-se de pessoas que circulam em
grupo, nunca apenas com um par. Para merecer a confiança dos seus, devem ser
íntegros, apresentarem lisura nos atos e justiça nos seus julgamentos. E não é
questão de considerar dicotomias como o bem e o mal, por exemplo. O Top deverá
ser leal de qualquer forma, senão não terá seguidores. É uma figura que
desperta admiração e aí reside a sua vaidade e o seu trunfo.
Bottons
são pessoas que servem aos Tops? Não necessariamente. A principal
característica de um bottom é ser entregue; é um laboratório de descobertas
para quem se dispõe, tem paciência e habilidade para aceitá-los. Esta pessoa
quer ser conduzida literalmente de olhos fechados e por isso necessita de total
confiança e entrega na sua relação. Frequentemente esta entrega também é
afetiva, o que faz com quem muitos Dominadores e Masters rejeitem esta figura
já que ela ‘perde’ sua personalidade na relação fetichista. Diferentemente do
Slave ou Submisso, o Bottom não impõe limites; permite que o Top, Dom, Domme,
Master, Mistress ou Switcher descubra seus limites. Quem aceita treinar, fazer
sessão ou cena com um bottom deve ter suas anteninhas muito ligadas porque é
comum que ele tente ultrapassar seus limites para agradar quem está no comando.
Mas
então o masoca – apelido carinhoso dado aos masoquistas – é um bottom? Não. O
masoquista sente prazer em sentir dor e não necessariamente em se submeter ou
realizar desejos. Na verdade, o masoquista não está ligando muito para o que
quem está do outro lado da tala, chicote, vela ou qualquer outro instrumento
que lhe aplique a dor, sente. Ele quer é sentir prazer e por isso aceita
algumas situações que frequentemente são confundidas com a submissão.
Masoquistas conscientes sabem seus limites, sabem o que lhes provoca o prazer e
é comum que sejam pessoas de bastante repertório, inteligência e traquejo
emocional. Por dominarem seus próprios desejos, acabam tendo comando indireto
na cena a que aparentemente se submetem, provocando o delírio de Tops,
Switchers, Doms, Dommes, Mistress e Masters que aceitem lhes impingir a dor.
E o
Switcher? Maluco indeciso? Não. Não consegui localizar nada que me desse
subsídios referenciais para falar do Switcher, mas vou falar da minha
experiência, sobretudo da observação de como as pessoas gostam de se posicionar
dentro do universo fetichista. O Switcher, longe de ser um cara ou uma mulher
que está indecisa, geralmente é uma pessoa madura, dona do seu nariz, que
aceitou provar os dois lados da moeda e gostou de situações pertinentes
tanto à magia de dominar, quanto à beleza e coragem de se entregar. Vejo o
Switcher como uma pessoa que não gosta de rótulos, se permite novas
experiências e não se incomoda com o julgamento alheio. Busca o prazer em
primeiro lugar.
Sádico
ou sadeano? Sádicos todos somos em alguns dias da nossa vida. Quem nunca sorriu
ao ver um malandro se dar mal? Quem não tem vontade de esfolar um vivo quando é
prejudicado ou tem um amigo trapaceado? Ser sádico, por essência, é sentir
prazer em impingir a dor, seja moral, seja física. O sofrimento alheio,
encenado ou não, provoca prazer profundo no sádico. Já o sadeano é alguém de
personalidade mais rara, adepto dos pensamentos e doutrinas do Marquês de Sade,
mas não necessariamente se compraz no sofrimento; e quando o impinge, o faz
para poder sanar o mesmo sofrimento que provocou. O sadeano, em essência, é
alguém provocador, vaidoso, obseno, culto, malvado, mas extremamente carinhoso
e protetor. O ‘moralismo’ de Sade está presente em suas atitudes e pensamentos,
e ele quer viver o prazer na prática, nunca (apenas) no campo das expectativas.
Sadomasoquista
é um ser que aprecia todas as práticas que envolvam dor, não importa se na
posição de provocar ou sofrer. Frequentemente confundido com Switcher, esta
espécie fetichista nos diverte (porque promove grandes espetáculos), mas
precisa ser consciente dos seus limites. Difere-se do Switcher por ser
praticante de cenas que envolvam dor física ou moral, não necessariamente
submissão ou entrega permanente.
Slaves
e
submissos são as alegrias de todos. Graças a eles nós do outro lado da
força
sentimos prazer. Eles se jogam, aceitam, se humilham, servem, nos fazem
rir e
nos enternecem. É por eles que maquinamos planos, matutamos cenas,
treinamos e
aperfeiçoamos habilidades. Eles são nossos objetos de orgulho, de
preocupação e
de proteção. Infelizmente muitos são irresponsáveis, escorregadios e
imprudentes, com gradações de chatices que beiram a loucura. Mas
submissos nem sempre são slaves e slaves nem sempre são
submissos. Daí vai do que cada um topa e do acordo que faz com cada
dominante
ou mestre, seja de cena ou seja permanente.
O
fetichista é tudo isso e um pouco mais. Pode ser tudo ou nada, mas sempre será
a pessoa que assumiu que tem desejos com padrão incomum. O fetichista tem
apenas uma premissa: se permitir, ainda que na observação. Pode se descobrir
fetichista como voyeur ou como sádico no spanking; como submisso que gosta de
ser pisado (um tipo de podólatra) ou como Dom que prefere ser idolatrado. Fetichistas somos todos nós
que assumimos o nosso lado B.
E se
você leu até aqui e pensa que não se enquadra em nada disso é porque
definitivamente você é baunilha. Pode até sentir prazer na estética e neste
sentido poderia ser confundido com o fetichista. Porém, o mais comum é que seja
apelidado de baunilha apimentado. E ser baunilha não é rejeitar e sim não
sentir prazer em nada do que foi descrito até aqui.
E antes
que alguém me diga que estou errada, que é assim ou assado e que escrevi
bobagens, este é um texto descritivo, baseado nas minhas pesquisas acadêmicas
(que devem virar tese em breve), na minha observação, na minha própria vivência
e na minha estada no grupo BDSM Santa Catarina. Provavelmente se você achar que
estou errada, estou mesmo. O importante é que cada um seja feliz dentro do seu
entendimento; que este entendimento ou rótulo seja preciso de acordo com suas
convicções. Mas como tudo no mundo (ou quase) possui uma classificação em algum
tempo, aqui está a minha.
*Artigo publicado originalmente no site iFetiche