Não há nada de errado comigo. Nem certo. Sei lá, me acho uma mulher comum, apenas com uma pitadinha de ousadia a mais, sobretudo em bancar meus desejos e pensamentos. Vejo por aí, ao meu lado inclusive, pessoas que sonham, falam, apregoam e deliram. Mas fazer é muito pouco... Eu não. O que falo é o que faço e, se falo, é porque acho que muitas vezes o que falta é um incentivo, um 'empurrãozinho'... E como dizem que sou persuasiva, quem sabe meu 'empurrãozinho' não torne alguém mais feliz?
Pois então, um capítulo inusitado da minha vida foi um relacionamento com um gay. Sim, gay mesmo. Nada de bi; gay e ponto. Falo pouco sobre isso porque foi uma época de muitas dúvidas para mim. Fiz terapia e tudo para conseguir entender o que se passava comigo e com ele. O pouco tempo em que conseguimos ficar juntos, quase isolados do mundo, longe dos preconceitos alheios e dos nossos próprios, foram dias muito felizes.
A idéia foi a seguinte: ele sempre se entendeu como gay e eu como hetero, no máximo heteroflexível. Porém, aquele homem me chamou a atenção desde o primeiro dia em que pus meus olhos nele. Da mesmo forma, segundo ele, aconteceu quando me viu. Algo era estranho para mim, mas não o identificava com o meu radar infalível de 'bibas'. Um começou a puxar papo com o outro, descobrimos afinidades imediatas (inclusive o BDSM) e eu passei a ter mais gosto em ir para a aula. Passaram-se cerca de duas semanas e ele me convidou para almoçar. Era tudo o que eu queria...
Perguntou se eu me importava de pegarmos um lanche e comermos numa praia. Disse que não e até gostaria. Paramos num local muito bonito daqui chamado Praia das Bruxas. Não sei quem estava mais sem graça. Incrível como nessas horas a gente fica tímido e deixa toda e qualquer ousadia no fundo da bolsa. Uma mordida no sanduíche e uma olhada de canto de olho. Na metade do lanche ele parou, fechou a caixinha do McDonalds, respirou fundo (pude sentir o suspiro quase dentro de mim) e me encarou:
- Letícia, acho que tu já percebeu que eu sou gay, né? Quer dizer, sempre fui...
- Desconfiava sim (olhei um tanto assustada, parando de comer)
- Mas desde que eu te conheci, não consigo parar de pensar no teu jeito, teus olhos, as risadas que damos. E eu to bem preocupado com isso
- Por quê?
- Porque eu nem sei como é abordar uma mulher. A idéia é estranha e nunca me atraiu. Só que eu preciso tentar.
- Tentar?
- Sim, tentar...
Como um adolescente que suava frio, ele se aproximou de mim, segurou meu rosto e me beijou. Confesso que foi um dos beijos mais emocionantes da minha vida, não pela paixão, mas pelo inusitado de um sentimento recíproco que 'cavava' lugar onde teoricamente não poderia existir.
- Será que tu topa tentar namorar um cara confuso com a própria orientação sexual, mas que não consegue te tirar da cabeça?
- (pensei uns segundos) Sim, vamos tentar. Afinal, tenho que fazer jus ao meu lema de vida - de me arrepender apenas do que fiz.
A partir dalí, gente, foi um dos melhores namorados que tive. Muito carinhoso, divertido, original. Sexo maravilhoso e intenso. Nada era muito comum. Até romântico ele conseguiu ser. Tudo foi eterno enquanto durou e começamos a disputar os bofes nas praias, cinema, barzinhos... Não banquei. Dei um ponto final. Ainda nos enrolamos um tanto e ele acabou voltando para o ex-namorado. Porém, até hoje nos falamos. Tenho um grande carinho por ele e sei que é recíproco. Hoje acordei estranha e o encontrei no msn. Bateu a saudade e resolvi homenageá-lo aqui no meu cantinho. Apesar dos pesares, agradeço a tua passagem pela minha vida, consciente de que tudo transcende essa existência e talvez na próxima a gente entenda qual a nossa missão!
Grande beijo, meu querido
* Ai, foi tão bom conseguir contar essa história sem aperto no peito. Desabafo, redenção, superação! Hoje me sinto curada, olho pra trás e gosto das cenas que povoam minha mente quando me lembro dele...