quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Parábola do caranguejo



Eita bichinho estranho esse tal de caranguejo: só anda pros lados, foge de tudo e quando se sente ameaçado se volta pra dentro da carapaça! Pouco vive porque tem medo de tudo. O que julga ser os riscos que corre, não passa de ilusão da sua própria mente que insiste em desenhar um mapa contrariado pelo destino, sabotado pelo que sente. E dentro do seu medo, é míope e incapaz de aprender outros modos de sobreviver.

Não é à toa que está ameaçado de extinção o pobre e, mesmo sabendo disso, não faz nada para mudar. O que busca fora de si, cotemplando por horas e horas aquela praia imensa, não está no fundo do mar das suas ilusões e sim dentro de si, aprisionado em sua carapaça.

Pois era um desses, jovem, lá pela idade de testar o mundo com suas pinças em forma de fortes garras, quem resolveu entrar no universo do fetiche. Curioso, cheio de ansiedade e impulso desmedido, queria a todo custo viver uma fantasia DE VERDADE. Até então só tinha passeado pelas margens da coisa e ainda sim tudo o encantava.

Um dia ele encontrou uma certa carangueja, plena de si e cheia de convicções; frágil, sensível e exausta de ser rainha do grupo. Ela, ao contrário dos demais da sua espécie, não andava para os lados. Havia desenvolvido um método de andar para frente e para trás, sacrificando sua carapaça, pagando o preço de não ter mais refúgio como seus companheiros. Da carangueja quase todos gostavam, exceto os que não a compreendiam ou a invejavam.

Apesar de muito diferentes, a carangueja se encantou com o jovem e resolveu aceitar os flertes que o introduziram em seu mundo. Alertou que era difícil. Entretanto, ela tentava acompanhá-lo andando para os lados para que se acertassem não só nos fetiches crustáceos, mas principalmente nas cicatrizes que ambos mantinham. Ela queria levá-lo pela mão e mostrar como se andava para frente. Ele quis e até arriscou alguns passos. Mas por sua carapaça ser tão rígida, não resistiu às dores iniciais e não acreditou que logo logo eles estariam libertos para viver o que ele sempre sonhava ao contemplar o mar.

O que o caranguejo não sabia é que ela sofria muito andando para frente, mas que toda essa dor compensava e que a única coisa que lhe faltava era um caranguejo que a acompanhasse permanentemente. E embora sofresse, ela continuava andando e até volta e meia dava um passo para trás, retornando ao seu rumo sem desistir. Era comum vê-la acompanhada; gostava de rir com os amigos de outra espécie que andavam como ela. Por vezes andava com outro macho, sossegando de tempos em tempos seu caminhar. Porque a solidão é que dava o peso às costas da carangueja, mesmo sem ter mais aquela armadura.

Muitas vezes o jovem caranguejo foi visitá-la e ela estava banhada em lágrimas porque o caminhar adiante a consumia de forma quase insuportável, desgastando suas garras. Ele a contemplava admirado e, quando estava carente da força e dos cuidados da carangueja, até punha suas pinças por cima dela e a abraçava. Porém, assim como os demais do bando, ele não se sentia capaz de sacrificar-se para andar para frente como sua musa inspiradora.

E assim ele permaneceu parado, andando às vezes para o lado no arfã de encontrá-la em algum cruzamento. Infelizmente muito pouco ele viveu da sua fantasia porque não teve paciência para esperar um desses momentos de dor da carangueja que acontece quando ela dá um passo muito longo. Porque ao invés dele entender que somente esses passos dolorosos são os que fazem dela uma Rainha, ele preferiu continuar andando para os lados e jamais contemplar um horizonte de frente.


Hoje ele é um caranguejo aparentemente feliz, cheio de soberba, grudando nas raízes dos mangues próximos à praia, onde as árvores retorcidas muitas vezes o impedem de contemplar o mar que ele tanto ama e que guarda os segredos daquela carangueja que para sempre vai amar; e ela seguiu seu caminho. Nos seus sonhos, ele a encontra todos os dias num sentimento platônico, frustrado e covarde. No mais profundo da sua alma, ele guardou os desejos que endereçou a ela e a vontade de viver uma vida diferente.

Ela? Bem, ela... está por aí. Dando um passo por dia, às vezes mais largo. Ora recua de leve porque se enfraquece; ora anda para os lados devagarinho para descansar da maratona de uma vida sem carapaça, exposta e sem volta. Sim, ela gostaria que ele a tivesse acompanhado, mas até porque anda para a frente, entendeu que cada um ao seu tempo e que, sim, todos estão fadados a encontrar-se na mesma praia...

O fetiche ela guarda consigo e o vive quando quer; ele é só uma porta - de entrada ou saída. Afinal, ela é uma Rainha. Sem nada que a prenda, partirá para uma nova enseada, cheia de vontade de que seus passos sejam amparados por um caranguejo que se arrisque aprender a andar para frente como ela e compreenda que é muito mais fácil do que parece. Só exige CORAGEM e FÉ NA VIDA!

"[...] as pessoas mais sensíveis podem ser as mais fortes. É preciso coragem para chorar, para demonstrar dúvidas e sentimentos, para dizer 'Eu te amo' e até mesmo para mentir.[...]

Na lápide de mais um caranguejo falecido em sua alma ela gravou com a força do tempo, senhor de todas as respostas: "que um dia tu entendas que somente quando tu arriscares a viver o que a vida te oferecer serás feliz plenamente; e que geralmente essa oferta está muito distante dos planos mirabolantes que nossa mente limitada faz e das idealizações que cercam as surpresas de estar nesse mundo"!