- “Quantas vezes já te disse que morra?”
Todos
os dias era assim que ela respondia aos apelos do pobre rapaz insistente,
sedento por uma migalha de atenção da rainha de seus sonhos. Redes sociais,
sms, e-mails e até cartas ele arriscou usar para ter uma única chance com
aquele poço de arrogância que despertava tanta repulsa na maioria das pessoas.
Permitam-me
apresentá-la antes dos pormenores. Natasha era estranha. Não havia melhor
palavra para ela. Apesar dos traços suaves vindos da descendência europeia em
harmonia com a herança cigana, vestia-se de forma inadequada para uma
professora. Os cabelos mudavam de cor frequentemente, assim como as unhas que
ostentavam as cores mais bizarras que poderiam existir.
Em meio
à maquiagem e aos acessórios exóticos, Natasha tentava esconder o lado negro da
sua natureza. Desde cedo, seu maior prazer era provocar a dor. Não a dor física
– esta lhe provocava a graça -, mas a dor moral. Nada lhe fazia mais plena do
que trazer à tona os maiores flagelos da alma de quem se submetia aos seus
caprichos.
Era
sempre a mesma ladainha. No início, buscavam o chicote e a adoração. Ela
aceitava quase piedosa, com alta dose de generosidade. Chegava a ter candura
nos olhos. Aos poucos, quando ganhava terreno, tomava conta da alma submissa
das suas vítimas. Os flagelos eram muitos; variavam da sensação de impotência à
vitimização extrema. Os que antes eram belos homens se tornavam verdadeiros
trapos dependentes dos seus carinhos e dos seus conselhos.
Até que
um dia aquele servo que tanto implorava por uma chance de se acorrentar ao
inusitado parou de procurá-la. Tão acostumada que estava com os galanteios e
insistências, Natasha estranhou. Logo ela, que carregava no nome o código
gélido de quem não admite ser interrompida em suas intenções, ainda que aparentemente
disfarçadas de recusas. Natashas já são críticas por demais com si mesmas e com
os outros...
Estranhou.
Talvez ela nem fosse tão estranha, mas os outros lhe 'pintavam' assim. Passou a olhar diariamente os mesmos locais onde ele costumava deixar suas
súplicas. Não mais apareceu. Nem uma palavra. Nenhum “Senhora”, “Rainha” ou
Deusa”. Muito menos um “por favor”. Passaram-se algumas semanas e ela já estava
perdendo a noção das suas rédeas com os demais, aflita por alguém desistir dela
sem mesmo tocá-la.
Quando
reapareceu, já ousava chamá-la por Natasha. Tornou-se um espelho de suas
fragilidades. Cada vez que ela lia “Natasha” sem a presença do símbolo mor da “Rainha”,
seu sangue gelava; os argumentos eram perdidos; o autocontrole se esvaia sem
muitas explicações.
E
sucessivamente a conversa amadureceu despindo o ego da provocação; dando lugar
ao profundo, onde não mais residia o prazer. E quem se machucava agora era ela, num ímpeto de masoquismo antes
adormecido. Para sobreviver, ela passou a reencontrar velhos caminhos, na
esperança de ver novamente o semblante de Rainha no espelho da emoção.