sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Fetiches Vividos - Parte 2 - Privação de Sentidos

 
Quando se fala em privação de sentidos muitas imagens e interpretações vêm à mente. Eis as ideias dos meus meninos:

Kurumin diz:
“De mãos amarradas e olhos vendados!
Acredito que o termo privação de sentidos é um tanto contraditório. Acho que na verdade quando bloqueamos um sentido é para aguçar os demais.
Sobre a cama, de mãos amarradas e olhos vendados, meu corpo era dela e eu não possuía mais controle. Uma angústia misturada a um tesão gigantesco crescia dentro de mim; não sabia o que aconteceria em seguida, só podia ouvir os passos dela e sua respiração. As vezes ela soltava uma risada, mas até então nada acontecia. Parece que gostava de me observar naquela situação.
Um toque: era seu dedo úmido na minha boca seca. O dedo tinha gosto de sexo, a respiração forte e as risadas tinham um motivo, ela estava se tocando enquanto me olhava. Que gosto bom, forte, não existe nada mais saboroso que o gosto de uma boceta.
Lentamente ela tira a mão da minha boca e vai descendo até meu pau, segurou ele delicadamente e o ajeito para que pudesse entrar dentro da sua boceta. Cavalgando lentamente no meu membro duro ela se inclina até meu ouvido e sussurra: - Só pode gozar quando eu mandar! E dá uma deliciosa risada seguida de um tapa no meu rosto.
Era difícil me controlar. Por estar amarrado e de olhos vendados, cada toque, cada tapa e cada palavra multiplicava meu tesão por mil. Tentava respirar, me concentrar em outra coisa, fazia de tudo para não gozar sem a permissão dela.
Segurando com força meus cabelos ela goza deliciosamente com a boca no meu ouvido. Um orgasmo longo, um gemido forte, empurrava meu pau para dentro de si com tanta força que parecia querer que ele fosse maior. Tira meu membro de dentro dela e relaxa com a cabeça sobre meu peito.
Depois de algum tempo ela se levanta e ordena de forma sarcástica: - Ei nem pense em sair daí, essa foi só a primeira de hoje. Quero gozar mais algumas vezes. Como se eu tivesse alguma escolha, fiquei ali com cãibra nos braços, sede e bolas doendo pelo tesão acumulado, só esperando ela voltar para me usar de novo.”


 Hybris diz:
Privação de sentidos, um assunto que assombra meus pensamentos. Ficar um tempo vendada ou amordaçada é bom e divertido, mas quanto tempo as pessoas aguentam estando privadas de algo. Não sou a melhor pessoa para falar, gosto, mas não sei se me submeteria muito tempo.
Já ouvi falar de pessoas que ficam horas amarradas, vendadas ou amordaçadas. O fato das pessoas aguentarem tanto tempo vem me incomodando, pois o ser humano necessita de algumas coisas e durante a privação provavelmente não poderia controlar. Ao mesmo tempo em que isso me preocupa, me deixa curiosa. É uma entrega muito grande de um submisso para com o Dono ou Dona, e exige muita confiança em ambas as partes. Sinto-me muito atraída por essa prática.
A sensação é difícil de explicar, pois todos os outros sentidos ficam aguçados. Um toque, um aroma, um sabor, todos ficam diferentes. Ainda tenho receio de ficar amordaçada, acho que é pelo fato de não ter ficado muitas vezes. Já vendada e amarrada é sem dúvida uma das minhas práticas preferidas. O fato de não saber o que vem em seguida e não poder mexer até que minha Dona mande faz com que minha mente viaje em pensamentos e meu corpo se entregue ao prazer.
Uma das vantagens de estar vendada (pelo menos pra mim) era de que eu fingisse que ninguém me olhava. Até um tempo era complicado a sensação de estar sendo observada, talvez pelo fato de não ser confiante com meu próprio corpo, então achava que os olhares discriminavam. Porém hoje evito o olhar para que saiba que sou dela e poderia fazer o que quisesse com meu corpo e minha mente.”



sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Último ensaio fetichista de 2013

Este último ensaio fetichista foi realizado pelo meu Kurumin e Femme Fotografia em dezembro de 2013, em Caxias do Sul. Agradeço à amiga Grazielle e à minha sub hybris pelo carinho.



































quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Entrevista para a Revista Kink101

Em outubro de 2013, dei uma entrevista para a Revista Kink101. Deixo reproduzida aqui:



Lady_Vulgata, no decorrer da entrevista iremos descobrir mais a seu respeito, mas inicialmente poderia nos falar um pouco sobre quem és, sua posição no meio e como chegou ao BDSM?
Obrigada pela oportunidade de estar num trabalho que tanto admiro e que venho prestando bastante atenção em cada edição.
Eu sou uma mulher simples, de hábitos simples. Tenho 36 anos, sou jornalista e professora universitária, casada com o Kurumin, tenho uma menina linda de quase oito anos e perambulo pelo mundo desde que me entendo por gente.
No meio costumo dizer que sou Top mais por uma questão de persuasão e respeito que tenho das pessoas com quem convivo do que por práticas em si. Já me testei como sub, porém não deu certo. Meu negócio é mandar, manipular e ter quem eu amo embaixo das minhas asas.
Cheguei no BDSM de maneira inusitada. Renderia até um romance. Um ex-aluno do UniCEUB, de Brasília, sempre me convidava para tomar um chop e eu nunca aceitava. Dizia que era casada, etc. Afinal, o convite era só comigo. Se fosse um chopinho normal de professores e alunos, teria aceitado de cara. Aliás, tomara que ele possa ler essa matéria pois nunca mais nos falamos...
Continuando, ele insistiu algumas muitas vezes e num fim de aula segurou minha pasta e disse: “ninguém tem esses olhos à toa. A senhora conhece A Vênus das Peles?”
Fiquei inquieta e respondi que não. Então ele reformulou a pergunta: “conhece Sacher-Masoch e Sade?”. Então respondi que sim, mas que não havia lido nada do primeiro, só um trecho do segundo.
Então ele completou: “a senhora precisa conhecer a Wanda. São os seus olhos, os olhos de Wanda”.
Encurtando a história, ele acabou por me convencer a tomar o chop, ir até o aparamento dele e pegar num chicote. Caminho sem volta.

2. A Senhora mantém uma relação que além de BDSMer é baunilha, poderia nos falar a respeito? Quais são as maiores dificuldades que uma relação que mescla os dois mundos enfrenta?
Não vivemos exatamente o 24/7 que se prega por aí. Somos um casal normal, brigamos, temos nossas diferenças e eventualmente vivemos momentos BDSM. O que mais praticamos, quase diariamente, é podolatria e money slave. Também é comum que eu o provoque em fantasias de cuckold, mas nunca concretizamos.
Eventualmente ele é meu escravo doméstico, limpa meus sapatos, lava a louça que já estava lavada, limpa a casa e me faz massagens. Porém, no geral ele divide as tarefas domésticas comigo. Eu cozinho e ele lava a louça. Ele cuida dos animais e limpa o pátio, e eu lavo os banheiros. Ele também me ajuda muito com minha filha.; busca na escola, dá jantar, ajuda a fazer as tarefas, etc.
Então, é um companheiro, um parceiro e, eventualmente, um escravo.
Eu acho que a maior dificuldade é transpor a barreira da fantasia. Digo isso porque acredito que nem tudo o que fantasiamos deve sair desse universo. Na prática, a gente acha que é maduro mas muitas das nossas fantasias acabam por nos machucar no enfrentamento da realidade. Viver tudo que se deseja a todo o custo pode ser perigoso. Nosso casamento quase acabou por isso há cerca de dois anos. Então decidimos ser mais parcimoniosos. Continuamos testando, mas com menos sofreguidão, como se o mundo fosse acabar. Um dia de cada vez.


4. Quais são suas práticas prediletas? A Senhora tem apreço por práticas que envolvam alto grau de sadismo?
Definitivamente não sou sádica. Sei que algumas pessoas vão rir quando lerem isso, mas é verdade. Eu sou uma excelente voyeur e uma mommy maravilhosa, modéstia a parte. É só não me dar uma tala de couro, né pekena?
Como práticas preferidas, já tive algumas boas passagens pela inversão e pela hipnose erótica, ramo em que me especializei num tempo em que só dommes gringas se interessavam por isso. Fiz curso de hipnose e converso muito com uma amiga que é mestre nisso. Porém, eis uma área que mais me trouxe decepção e aborrecimento do que louros.
Hoje posso listar assim: fotografia erótica; histórias, mitos, roupas e materias medievais; disciplina com fortes doses de dominação psicológica (incluindo Mindfuck), cordas, podolatria, money slave, velas, spanking, privação de orgasmo, feminização / crossdressing, treinamento doméstico e aconselhamento de iniciantes e perdidos (sim, um grande fetiche para o qual adoraria ter mais tempo).

5. A Senhora acredita que a nossa sociedade ainda verá por muito tempo o BDSM como uma doença? É possível que exista uma "má vontade" nos especialistas em avaliar tais relações?
Acho que estamos evoluindo. Sou uma pessoa otimista. Como estudiosa do fetiche em nível acadêmico, vejo o número de monografias, dissertações e teses sobre o assunto crescer em diversas áreas do conhecimento.
No Brasil, apesar do crescimento de algumas religiões neopentecostais, que reforçam a intolerância na sociedade juntando-se à hipocrisia natural do ser humano, ainda acredito na evolução da aceitação de novas formas de amar e de relacionar-se, e isso inclui o fetiche.
Não acho que há má vontade dos especialistas. Acho que é um processo no qual somos artífices e, aqui no Brasil, nem sempre contribuímos muito. Os desejos não podem nunca superar o bom senso. Acima de fetichistas, somos cidadãos e se queremos ser respeitados, é preciso respeitar a legislação vigente.
E acho que há má vontade dos próprios praticantes que, num simples debate, se melindram com qualquer colocação que o tirem da zona de conforto. O povo não quer pensar, refletir, evoluir padrões; quer impor goela abaixo seu modo de pensar e agir, arrotar regras e ensinar como fazer as coisas. Mas na hora de ouvir e ler, qualquer colocação é motivo de ofensa. E há aqueles que minha avó chamaria de 'bois corneta', que só estão ali para tumultuar. Enfim... O que me enoja no FetLife, por exemplo, é o melindre excessivo e o ataque gratuito. Essas pessoas, sim, são doentes para mim.

6. Algumas premissas do BDSM como Liturgia, SSC, safeword são vividas na maioria das relações, em algumas de forma mais intensa que outras, no seu modo de ver, qual a importância de tais premissas?
Sou uma pessoa anárquica no que tange às regras do BDSM. Sempre fui, mas no começo eu colei em quem achava que sabia mais do que eu, que já tinha vivido coisas legais e poderia me dar conselhos. Na verdade, ainda continuo 'colada' nessas pessoas.
Também busquei ler tudo que encontrei à respeito, entrei em grupos, fiz o que estava ao meu alcance. Sou pré-web 2.0, portanto, quando comecei não existiam redes sociais. E eu respeitei muito a experiência e o 'posto' dessas pessoas, como respeito até hoje. E neste ponto sou litúrgica. Acho que respeito e confiança nunca saem de moda. E, como dizia minha velha avó cigana, 'respeito é bom é faz bem pros dentes'.
Tenho a honra de ter um mestre bondagista que é um desses lobos que admiro desde sempre, o ACM. Há algum tempo ele é mais amigo do que professor e são essas as coisas legais dessa vida fetichista. Ele é mestre de verdade e eu me recuso a colocar pessoas como ele no mesmo balaio que vejo outros por aí. Neste caso podem me chamar de quadrada, mas é como enxergo as coisas.
Sou anárquica também em relação aos meus subs. Nunca tive muito respeito deles, do tipo que se vê por aí em festas e reuniões. Não sinto prazer algum que meu Kurumin fique sentado em meus pés se não for para fazer massagem ou beijá-los, por exemplo. Que fique claro que não estou criticando nem ironizando ninguém. Pelo contrário, estou admitindo minha completa incompetência em cobrar isso dos meus partners.
Caí na risada inúmeras vezes no meio da sessão; alguns me deram 'a volta' bonito e eu não os castiguei. Enfim, sou uma completa incompetente neste quesito. Entretanto sou amiga de quase todos até hoje. Valorizo muito o que construí com cada um. Dois deles, inclusive, foram meus padrinhos de casamento e são muito amigos do meu marido. Logo, valeu a pena ser um pouco mais condescendente nestes casos.
Quanto ao SSC, acho bem válido no começo da relação. Depois, a tendência é que quem domina comece a sacar certos pontos que podem ser avançados, transgredindo o medo e a insegurança do sub. O risco vale a pena quando existe cumplicidade.
E Safeword é uma coisa que só me fez rir até hoje... nunca usei e quando alguém foi usar todo mundo caiu na risada, talvez porque fosse uma palavra mágica da série de Harry Potter...

6. A Senhora convive com pessoas do meio BDSM não só do Rio de Janeiro, mas também de São Paulo e Santa Catarina. Poder conviver com cenários tão peculiares e pessoas tão diferentes deve ter agregado bastante a sua vida. Nesse sentido, quais aprendizados poderia compartilhar conosco?
Sim, certamente. Eu gosto de conhecer pessoas, ir além da virtualidade, olhar nos olhos, conviver, saber o que elas comem, onde vivem, onde trabalham, o que estudam e o que desperta seu interesse. E não sou curiosa muito menos fuxiqueira. É por prazer mesmo. Quero partilhar de pelo menos alguns momentos dessas pessoas tão especiais, que me ensinam tanto com gestos e falas tão simples. Isso vale para os lobos e para os novatos.
Recentemente eu conheci uma pessoa que eu admirava há muitos anos e nunca tinha conseguido cruzar com ela em alguma festa: a MariaPos.
Sabe o que é você esperar a atualização de um blog e correr quando o google reads avisa? Era eu com o blog dela. Ela me aceitou como amiga no FetLife há alguns anos e eu sempre lendo seus comentários nas discussões, cada vez admirando mais sua personalidade ímpar. Pois em Julho deste ano finalmente eu a conheci justamente num evento que estava mediando em São Paulo. Fiquei mais tensa ainda com ela sentada na plateia, ali na minha frente. Mas foi muito legal. Mitos podem ser pessoas comuns que se destacam pela sua singularidade num mundo particular como o nosso.
Assim foi com o meu amado Gamal, a Vaca, a Hanna e o Le Fetiche, o Quíron e seus meninos, a Margoth e assim por diante. São pessoas muito caras para mim, cada uma ao seu modo, que me proporcionaram muito prazer, alegrias, carinho. Pessoas que transcenderam a barreira do BDSM e se tornaram parte do meu círculo de amigos.
Cada um ao seu modo expressa sua forma de prazer. O que todos têm em comum é viver suas fantasias, seus desejos, suas vontades da forma como quiserem, sem se preocupar com o que os outros vão pensar ou dando cada passo calculando o lá da frente. Eles são espontâneos, simples na forma de viver o BDSM. E são autênticos (de verdade...tsc)!

7. Cada cena apresenta características próprias, não só pelos membros mas também pelo fator cultural da região. Quais as maiores diferenças a Senhora notou na cenas que teve a oportunidade de conhecer?
A vitrine muda, mas nem sempre muda o conteúdo. O Sul já é bem discrepante nos três estados. RS é meu estado natal, mas conheço muito pouco da cena BDSM por lá. O que me contam é que é tímida e não conta com muita gente que coloque energia para que as coisas aconteçam, embora conte com praticantes antigos e bem experientes.
Do Paraná conheço pouco também, exceto por termos alguns membros no nosso grupo que vivam por lá. Mas do que sei, tem se fortalecido nos últimos tempos, promovido encontros e festas.
E Santa Catarina é a minha casa. Hoje é um estado forte no BDSM, mas nem sempre foi assim. Lá atrás era comum a gente promover encontros e irmos apenas eu e o Jonatan. Mas como a gente é bem teimoso, acabamos por furar a pedra da resistência dos catarinenses e hoje, pelo que sei, há dois grupos bem fortes por lá, grupos tangentes, onde a maior parte dos membros é amiga e realiza mini plays, além de encontros sociais com frequência.
O que o Sul tem em comum? A busca maior pelo sigilo de seus encontros. Nos outros lugares onde estive esse fator nunca teve importância para os participantes. Autopreservação? Bairrismo? Não sei. Só sei que no nosso caso é por pura afinidade e proteção, um acordo de damas e cavalheiros que tem dado certo.

8. Em Santa Catarina, estão localizados grande parte dos membros da SAT. Primeiramente, poderia apresentar o grupo aos nossos leitores?
A Sociedade Anônima do Tarô (SAT) é um grupo que nasceu do BDSM Santa Catarina, grupo fundado pela Mistress Amanda, JonatanStrange, eu, ParallaxSC, Cosmo_Vain e Pexis. Todos morávamos em Floripa, na época. Como o BDSM SC estava crescendo e já havíamos feito algumas plays mais longas, de três ou quatro dias,, queríamos montar uma espécie de núcleo, onde os participantes já conhecidos e notoriamente confiáveis ganhassem uma carta de acordo com sua energia e suas atribuições fetichistas. Pelo conhecimento sobre cartas, magia e espiritualismo de vários membros do grupo, o tarô nos pareceu uma ritualística interessante.
Houve duas partilhas ao longo do tempo e muitos agregados, partilhas estas por entendimentos distintos do futuro do grupo, não por rompimento de amizade. Hoje a SAT não conta mais com líderes e sim com membros conselheiros e todos continuam tendo as suas cartas. Assim que cumpre o tempo e os requisitos necessários do grupo, o candidato recebe a carta em cerimônia secreta.
E hoje apenas metade dos membros vive em Santa Catarina. A outra metade está em BH, Rio, Paraná e RS.

9. A SAT tem um privilégio que poucos grupos/confrarias tem no Brasil, que é o de contar com membros experientes e membros que estão iniciando no meio de diferentes idades, convivendo em harmonia e mantendo constância nos encontros. A Senhora acredita que isso acontece por qual motivo?
Foi casual. Nossa membro mais nova tem 22 anos e o mais velho tem 55 anos. Somos um grupo de amigos. Na indicação de um membro, pouco importa a idade ou tempo de experiência no BDSM. Importa a afinidade que este membro possa vir a ter conosco, com nossa filosofia e com a confiança que ele transmita.
Costumo dizer que o BDSM é só uma desculpa. Eu já fui corrigida por isso no próprio grupo, mas é verdade. Sentimos muita falta um do outro, inclusive dos que saíram, e isso nada tem a ver com o BDSM. É uma energia que nos une muito maior que qualquer prática fetichista. Eles são a família que escolhi.

10. Quais são os maiores desafios de se manter em um grupo como esse?
Apesar de sermos muito parceiros, é o ego que sempre nos derrota. Em tudo na vida é assim, não? Então, as poucas discussões que tivemos aconteceram por brigas de egos e eu não me excluo da coisa. Sou bastante egocêntrica e sou a mãezona do grupo, do tipo ítalo-judaica. Logo, tenho consciência que não sou fácil de lidar.
Outro fator é a questão do tempo que se dedica a ele. Tudo na vida é assim, se não der atenção, acaba por morrer ou ser priorizado por outros interesses. Manter uma atenção constante ao grupo nem sempre é fácil e possível por parte de todos os membros, e isso acaba por trazer fases de 'baixa', como eu costumo chamar os dias em que nossa comunidade no facebook fica às moscas.

11. Ainda sobre a SAT. Os encontros do grupo são reservados a membros e convidados, a Senhora acredita que pequenos grupos, onde existam identificação (seja de fetiches ou pensamento) entre os membros, é a melhor forma de viver o BDSM em comunidade?
Eu só consigo viver assim. Participo de muitas festas e vou à tudo que meu dinheiro e tempo permitem. Mas viver com plenitude o que gosto no BDSM, só entre eles. Fora da SAT, fui pegar um chicote numa festa em São Paulo pela primeira vez este ano como gentileza do amigo Quíron e fiz um número tímido de vela no Encontro do Cerrado do ano passado.
É uma questão de liberdade e de conforto para mim, coisas que necessito para ter prazer.

12. Para aquelas que se interessaram pela SAT, o grupo está recebendo novos membros? Onde os interessados podem buscar informações a respeito?
Na nova configuração da SAT, sim estamos recebendo novos membros, desde que indicados por pelo menos dois membros efetivos. No momento temos três em avaliação. Se entrarem mesmo, contarão um ano de experiência a partir do nosso próximo retiro.
As informações podem ser colhidas com qualquer um dos membros da SAT ou mesmo na página do grupo no FetLife. Eu mesma estou sempre à disposição. Posso demorar uns dias para responder, mas eu respondo.

13. A Senhora acredita que o BDSM é Underground? Ou que com esse advento de livros e criações relacionadas, ele se tornará algo popular? Na sua opinião, a popularização seria algo benéfico?
Acho que o BDSM é uma subcultura, classificada como underground ou não de acordo com a forma como ele ressignifica a vida de cada um. Para mim foi só uma questão de dar nome aos bois. Mas para certas pessoas significa a libertação de umas série de processos, traumas, inseguranças, etc etc.
Eu sempre li muito e me uni ao Jon inicialmente pela literatura, depois por outras afinidades. Eu acho que a literatura por si já perverte, mas não populariza. O fato de muitas pessoas terem despertado para o lado do fetiche por meio de 50 Tons e avalanches afins não desmerece o serviço dessa literatura, mas também não contribui para a evolução das práticas BDSM no dia a dia.
O que perverte é o que faz pensar a mente naturalmente libertina e cada um possui um código que só é acessível por uma linguagem adequada ao seu universo emocional e imagético, ou seja, ao seu repertório. De que adianta eu querer apresentar Verdi a quem só ouve Munhoz e Mariano desde criança? Pode adiantar sim! Assim como não devemos entrar na onda da alta e baixa cultura quando se fala em música, porque a cada um cabe a sua nota que arrepia, também não devemos condenar uma literatura mais simplória. Se está fazendo mulheres e homens felizes, está cumprido o papel da cultura pop BDSM, na minha nada modesta opinião.

14. Na sua opinião, como os praticantes mais experientes podem auxiliar a grande quantidade de novos adeptos que tem surgido?
Tendo paciência e não se aproveitando da ingenuidade das pessoas. Isso tem me tirado do sério de verdade. O que tenho visto de gente que não merece nada do meu respeito (e isso é difícil, viu) orientando, mentorando e tutorando gente iniciante, não está sendo mole.
Eu acho isso uma sacanagem, no pior sentido da palavra. Tu quer ser um crápula, um babaca, uma imbecil sem noção, ou mesmo alguém trapaceiro, seja com alguém 'do teu tamanho'. Aliciar essas pessoas quando não se honra as próprias palavras é a mesma coisa que os pastores fazem nas igrejas quando levam até a roupa do corpo dos fieis em nome da fé.
Os novatos só precisam de um Norte, de uma luz. O resto eles vão encontrar por si, cair, levantar até encontrar o que realmente gostam e querem. E ter alguém com quem eles possam contar seus segredos, que seja de confiança e não ria das suas lamúrias, é uma coisa legal a se fazer. Sei que BDSM não é caridade, porém há que se pensar sempre que o mundo dá muitas voltas. Já colhi muitas coisas boas, amizades verdadeiras, auxiliando assim como fui auxiliada no começo.


15. Algumas pessoas tem certa descrença que o BDSM pode ser integrado ao dia - a - dia de forma harmoniosa e equilibrada, quais dicas a Senhora daria para quem ainda tem receio de tentar uma relação D/s e SM?
Tudo depende, novamente, do quanto que se quer doar da vida para aquilo. O quanto tu quer empregar de tempo nessa relação, nessas vivências? Quem quer que seja um passa-tempo, vai fatalmente só esbarrar em gente que quer também passar o tempo. Quem quer viver trocando de perfil, fazendo mil fakes, marcando encontros e não aparecendo, espera colher algo verdadeiro ou que valha a pena? Se a pessoa é séria, realmente quer viver o BDSM, ela pode acreditar que vai encontrar alguém que queira viver isso com ela, seja de forma eventual ou permanente. Vai do acordo de ambos e das intenções ficarem claras, explícitas, desde o começo.
Isso vale para grupos também. Na SAT, por exemplo, a pessoa que quer entrar precisa estar ciente que vai ter que se dedicar, que participar, que doar uma boa dose de energia para o coletivo.
Meu conselho é sempre ser franco e dizer de cara o que já sabe que banca e o que não banca. Isso diminui uma série de problemas, evita desgastes e peneira a busca já no nível virtual.
E é um erro a pessoa pensar que porque é sub deve fazer tudo que o top queira. Ninguém é obrigado a nada. E relacionamentos legais, duradouros, são relacionamentos onde ambos estão por prazer, completos e porque querem.

16. O que a Senhora considera primordial para aqueles que estão descobrindo o BDSM e enveredando no mundo dos fetiches?
Ler muito, assistir filmes que remetam às ideias que norteiam o fetiche e o hedonismo, e, por fim, procurar por pessoas que possam aconselhá-lo de forma franca, segura, apontando sempre mais de um caminho, que não lhe dê possibilidades tacanhas nem tente tolher seus desejos.
E se é isso que tu queres, mete a cara, te joga e não crie tantas expectativas. Se abra às surpresas, ao inusitado. Vejo alguns dos meus pupilos se decepcionando ou tendo problemas porque criaram um modelo ideal de sub ou de dom ou de domme. As pessoas nunca vão ser o que nós queremos. Ou a gente aceita o que elas são e permita que elas nos surpreensam, ou parte para outra. Mas eu sempre prefiro a surpresa...

17. A Senhora mantém uma relação estável e muito bonita com o Kurumim, o que ele representa em sua vida?
Tiago (Kurumin) é meu amigo, meu parceiro, um homem de beleza exótica com lindos cabelos e pés, um fotógrafo de olhar ímpar, uma pessoa muito singular que me permite ser quem eu sou. Nunca me senti tão livre e confortável ao lado de alguém. E talvez nunca tenha querido ficar com alguém pelo resto da vida como quero ficar com ele.

18. Recentemente vocês fizeram uma cerimônia de casamento durante um retiro do grupo SAT. Poderia nos falar como foi essa experiência?
Seguramente foi um dos momentos mais bacanas e emocionantes de toda a minha vida. Escolhemos casar em meio à família que elegemos e eles organizaram praticamente tudo para nós. Nos sentimos carinhados, mimados, acolhidos. Todos os membros presentes foram nossos padrinhos. Felizmente o Jon caiu e trincou uma costela dois dias antes da festa e a PinkPlanner teve um pepino de trabalho no Rio. Porém, mesmo com essas baixas, foi o retiro onde reunimos o maior número de membros da SAT. Além disso, contei com a presença de amigos especiais de São Paulo, familiares e amigos de Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
A ideia foi do Duduh e da Manndy. No começo achamos que não daria, mas depois eles colocaram tanta pilha que a gente embarcou no sonho, todos juntos. Foi um ritual mágico e guardo o baú com as mensagens e pedras deles ao lado da minha cama.

19. Existe algum projeto, do grupo ou individual, que a Senhora deseje compartilhar com nossos leitores?
Eu tenho a intenção de revitalizar o iFetiche, site criado pelo meu bb Monstrinho, com ideias de vários membros do grupo e outros amigos. A ideia do site é super bacana e nunca aproveitamos muito bem seu potencial. Também pretendo retomar os workshops sobre dominação feminina em nível regionalizado, já que as opções quase sempre acontecem nas grandes metrópoles.
Além disso, fomentar a fotografia fetichista, erótica e sensual é um interesse meu e do meu marido. Sei que agora temos mais pares no Brasil, além do Le Fetiche e do Dom Miguel, que produzem imagens maravilhosas. 


segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

20 anos de BDSM do meu mestre ACM

Em novembro passado, meu mestre ACM completou 20 anos de BDSM e eu publiquei no Fetlife um texto que agora reproduzo aqui:


"Quando a gente entra num mundo novo onde, embora curiosos e sedentos, nos sentimos inseguros, perdidos, quase desesperados por alguém que nos norteie, a figura do mestre, do mentor, do guia cumpre a função de um anjo de guarda, adestrando inclusive nossa percepção para separar o joio do trigo.
Para mim esse mestre atende pelas letras ACM. E hoje escrevo para falar dos 20 anos de BDSM no Brasil dessa figura que habita o imaginário de muitas pessoas no meio, antigas ou recém praticantes, e que encanta a todos que o conhecem melhor.
         E eu não poderia deixar de fazer um breve histórico do seu contato com esse lado underground da vida de cada um de nós. Lá pelos idos de 1990, Antonio, como eu gosto de chamá-lo, foi viver na Holanda, onde permaneceu por quase três anos. Uma das cidades mais liberais do mundo, Amsterdã, ofereceu muito ao Antonio em termos de aprendizado e vivências BDSM.
         De volta ao Brasil, em 1993 começou a participar das primeiras tentativas de se criar um grupo de estudos com temática BDSM. Como estava conhecendo algumas pessoas do meio, como Barbara Reine e os demais membros do grupo Nós SoMos, o entrosamento foi fácil e ele pode contribuir com suas vivências na Holanda.
O grupo Nós SoMos virou, então, um provedor de internet e se transformou em SoMos. Ao mesmo tempo, na organização de munchs e encontros sociais, idealizou o grupo BDSMer's que passou a realizar encontros semanais no Bar America de São Paulo ainda na década de 1990.
E como se não bastasse, ainda realizou workshops de bondage para o SoMos, participou das plays parties mais famosas e da inauguração do Clube Valhala no começo dos anos 2000. Na Cidade Maravilhosa, sua terra natal, ajudou a criar o grupo BDSM Rio.
         Desde 1997, filmou para a Harmoby Concepts como produtor independente até criar o site e produtora Bound Brazil em 2008, sendo agraciado com a premiação de terceiro melhor bondagista do mundo em 2012 por voto popular, entre outros prêmios que a produtora recebeu ao longo dos seus cinco anos de existência.
Enfim, isso só mostra parte da história deste homem repleto de experiências e testemunhos de todos os tipos aqui e fora do Brasil, no BDSM, no fetiche e fora deles. Um homem admirável, de caráter e condutas ilibados, com senso de humor refinado e cultura ímpar. Um amigo simples e prestativo; um mestre generoso; um bondagista de primeira linha; um encantador das palavras; um profundo conhecedor das artes bedessemistas, do fetiche e da alma humana; um cara pra lá de especial. A ti, amigo Antonio, Mestre ACM, meu muito obrigada por tanto, por tudo. Que sejam mais muitos anos de práticas onde possamos beber um pouco dessa tua fonte inesgotável de conhecimento, carinho e amizade.
Um beijo da discípula, amiga e admiradora Letícia - Lady Vulgata"


sábado, 28 de dezembro de 2013

Fetiches Vividos - Parte 1 - Podolatria

Na volta da atividade deste blog, apresento a série “Fetiches Vividos”. São textos em forma de descrições ou contos apresentados pelos meus dois submissos: Kurumin e Hybris.

Cada um vai descrever a seu modo a forma como vivencia ou imagina um tipo de fetiche determinado por mim semanalmente. Relatos fiéis e cotidianos, com o mínimo de cortes ou correções.

Espero que gostem. O primeiro texto é sobre podolatria, prática que aprecio e vivo há bastante tempo.

Kurumin diz:
Não sei se considero isso um fetiche. Para mim é uma prática que faz parte de qualquer relacionamento meu assim como beijar, andar de mãos dadas e transar. Não sei viver sem um bom pé para beijar. 



Comecei a gostar de pés antes de me entender como gente. Acredito que devo ter dado meus primeiros beijos em um pé mais ou menos aos 4 anos de idade. Depois disso nunca mais parei e todos os meus relacionamentos amorosos envolvem podolatria.

Atualmente estou tendo os pés da minha Rainha para adorar e acredito ser a combinação perfeita: uma mulher poderosa e de pés lindos, que saiba como colocar um capacho em seu lugar. Pés são sempre bons, mas quando vêm acompanhados dos reflexos de um longo de dia de trabalho, suor, chulé e uma ordem: '- Tire meus sapatos e adore meus pés', se tornam uma das melhores coisas do mundo.

Meu último fetiche relacionado a isso é conseguir beijar os pés de uma completa estranha, mesmo que essa estranha seja amiga da minha Dona.”


Hybris diz:
“Escrever já é difícil; falar sobre alguma prática ou fetiche que não me agrada muito é mais complicado ainda. Mas bom, o jeito é tentar.
Muitos me perguntam: gosta de fazer massagem? Por impulso costumo responder que sim, afinal quem não gosta de uma massagem nas costas? Grande engano, pedem-me para fazer nos pés. E como explicar a alguém que eu não gosto de encostar nos pés de outra pessoa e detesto mais ainda que encostem nos meus. Ainda não sei o motivo de ter tanta aflição em passar a mão e beijar os pés de alguém, mas de qualquer forma se isso me for imposto farei. 


Podolatria, adoração por pés, uma prática que eu dispensaria, e que não vejo muita graça, a não ser para quem goste (a maioria). Minha Dona gosta muito de um carinho e uma massagem em seus pés e como uma boa submissa devo agradá-la mais que a mim mesma. Passar uma semana fazendo carinhos e convivendo perto Dela mudaram algumas ideias, inclusive a de ver meu irmão de coleira adorar tanto aqueles pés. São bonitos, isso é fato. Na verdade são pés que eu não me importo de encostar. Faria uma massagem ou beijaria esses pés apenas para ver um sorriso e uma expressão de aprovação.
Um fetiche um tanto diferente (pelo menos pra mim). Como expliquei no começo, ainda não sei os motivos de não gostar, mas a cada dia me coloco prontamente para uma massagem, um beijo ou um carinho. Hoje me questiono o quão longe eu iria em relação a esse fetiche. Ainda não consigo colocar pés na boca, mas quem sabe daqui uns dias. Hoje me ponho a prova de querer agradar minha Dona Lady Vulgata, e posso dizer que são os primeiros e únicos pés que me agradam tanto. A sensação de estar se tornando aos poucos muito confortável, que me faz pensar muito; adoro essa sensação de que estou aos seus pés, e que por ela eu faria muitas coisas e abriria mão de outras mais para ver um sorriso.”

sexta-feira, 29 de março de 2013

Crueldade



                Deixar um amigo ir embora quando está triste, sem rumo. Ou pior, abandonar um amigo moribundo, doente da carne e do espírito porque ele se recusa a aceitar ajuda. Crueldade! Certo que é!
                Maltratar teu amor com palavras e gestos. Obrigar teu amor a presenciar cenas chocantes, expor cada pedacinho da sua alma à degradação. Bater no homem ou na mulher amada; ferir, deixar marcas no corpo, na emoção. Crueldade, óbvio!
                Punir a filha porque ela usou a maquiagem após ter falado mil vezes que ela não deveria se aproximar do que é fragilmente teu. Privar a menina de assistir televisão porque ela desprezou um presente, fazendo comparações com o que as colegas da escola possuem. Falar a verdade para seu filho acerca dos limites e deixar claro que não é porque tu és a mãe que ele pode se sentir dono de tudo que é teu ou terá trânsito livre na tua vida. Sentenças que arrancaram lágrimas, sofrimento. Ou seja, crueldade!
                Todas as situações descritas parecem axiomas de crueldade, mas na verdade dependem da ótica de quem observa porque, assim como o trajeto cotidiano, tudo depende de contexto. Prisma. Assim é o BDSM.
               
Ontem num bar tentava explicar a alguns amigos como é a minha relação com meu marido e como ele gosta de ser humilhado. Eu dava exemplos e ele tentava descrever suas sensações. A reação das pessoas: surpresa, perplexidade. Se qualquer deles presenciasse a cena sem contexto me acharia a mulher mais cruel do mundo. Porém, não estou fazendo nada além de agradá-lo.
                Amar muitas vezes é fugir do contexto, se arriscar pelo prisma de ambos, independente do julgamento do mundo lá fora.
                Assim com educo minha filha para ser livre, independente e diferente de mim se assim ela quiser, vivo meu amor de acordo com o nosso prisma, felizmente compartilhado por alguns poucos doidos que nos rodeiam e muitos outros que não compreendem. O que parece crueldade para a maioria pode ser o prazer da minoria. O que parece unanimidade no romantismo, para pessoas como eu pode soar como tormento.
                Por isso o respeito é tão importante. Porque nem tudo compreendemos e não quer dizer que esteja certo ou errado. Apenas é.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

A Rainha vai casar...


Quando encontramos alguém que realmente faça parte de tudo que diz respeito à nossa vida, este alguém merece um passo maior...

Hoje tenho um companheiro com quem posso trocar minhas mais íntimas confidências; meu cúmplice, meu amigo, meu laboratório. E é com ele que quero permanecer o resto de meus dias!

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

domingo, 2 de setembro de 2012

Vulgaridades

ENSAIO DESPRETENSIOSO SOBRE UM CONTO DE FADAS BDSM*



Estava quase mudando o título deste post quando me veio a idéia de procurar no dicionário o significado da palavra ‘vulgarizar’: tornar muito conhecido, divulgar, propagar. Portanto, o título é perfeito para minha linha de raciocínio.

Tempos atrás eu publiquei um texto sobre a construção do imaginário. Comentei como naturalmente criamos mitos em cima de pessoas que só conhecemos virtualmente ou com alguma distância em evento e festas, fetichistas ou não.

Recentemente comprei o livro 50 Tons de Cinza. Aliás, confesso, comprei logo toda a trilogia mesmo sabendo que os dois outros livros demorariam alguns meses para chegar. Comprei de teimosa, porque a maior parte dos meus amigos já torceu o nariz de cara para a sinopse. Assisti a alguns vídeos e fiquei apavorada quando a estória foi comparada a Crepúsculo – que não é exatamente o tipo de literatura que curto. Resumindo, pelas previsões, tinha tudo para odiar o livro e ter jogado meu rico dinheirinho no lixo.

Porém, surpresa! Eu amei o livro. Li em menos de dois dias as mais de 500 páginas do volume, ansiosa para que chegue o segundo, previsto para o mês que vem. E em meio a tantas críticas e o massacre da autora, resolvi escrever sobre o dito cujo com o pouco de autoridade que minha paixão por livros e meus anos de BDSM me conferem.

Analisemos os fatos. O livro foi escrito por uma mulher para mulheres LEIGAS. O livro tem uma narrativa bem construída, que cumpre perfeitamente aquela vontade louca de devorar uma página atrás da outra. O livro tem romance de forma pouco piegas e nada convencional. O livro mexe com a fantasia de toda mulher – ter em algum momento da vida um homem lindo, que a proteja e por que não rico?

Logo, o sucesso seria fatal. Se a senhora Erika Leonard James queria polêmica, ela conseguiu com elementos simples de acordo com os conceitos mais banais da psicologia social. Considerada uma das personalidades mais marcantes e influentes da Inglaterra contemporânea, a autora pisou num terreno sedento por aceitação. Por mais bem resolvidos que nós os fetichistas e / ou sadomasoquistas sejamos, sabemos que a marginalidade é a nossa praia e isso nem chega a incomodar alguns; mas perturba a muitos.

Li num comentário de um amigo que Cinquenta Tons de Cinza é uma trilogia como Sabrina ou Júlia, ou qualquer romance água com açúcar que recheou os sonhos das meninas-moças das décadas de 60, 70, 80 e 90. Sim, concordo. E eu adorava aqueles romances.

Raramente entro em discussões acaloradas nas redes sociais porque penso que após dois ou três trechos o argumento dá lugar à vaidade numa disputa sedenta pela razão. Prefiro ficar lendo e refletindo. Porém, a reflexão central do sucesso de 50 Tons para mim passa por uma questão importante: por que o diferente precisa ser denso? Ou melhor, por que a leveza de um romance não pode habitar estórias fetichistas ou SM?

Partindo do pressuposto que a literatura, assim como o teatro, o cinema e as artes em geral devem nos levar a mundos distintos por meio do lúdico, do prazer, do novo, do inusitado, da provocação e até do incômodo, qual o grande ‘erro’ de 50 Tons para estar sendo tão criticado pelo público SM? Será que é medo de que muita gente queira de fato conhecer esse mundo perverso, mundano e luxurioso e nos perturbe a paz com suas perguntas ingênuas ou descabidas? Ora, senhores, e isso já não acontece com freqüência mesmo antes destes fenômenos literários que tiraram a poeira das prateleiras de Sade e Bataille?

Mulheres buscando um príncipe encantado, de chicote ou cavalo, sempre vão existir. Aliás, elas estão aos montes no FetLife e em todas as redes sociais, muitas vezes disfarçadas em peles costuradas em letras muito bem escritas, ideologias requentadas e frases de efeito reconstruídas.



Tons indigestos


Ok, o livro é ingênuo para um praticante SM. Concordo. Até porque talvez até eu virasse sub “Alice” se um Christian Gray me aparecesse pelo caminho...rs

O que temos na vida real é bem mais cru esteticamente e na prática! Não há quartos da dor, tampouco concessões contratuais naquele nível. Eu pelo menos nunca soube de nada parecido.

Talvez uma impressão mais próxima da realidade, igualmente despertando emoções, só que de forma mais crível para a mente de um sadomasoquista, está contida no livro Amsterdã SM, do professor Antonio Vicente Seraphim Pietroforte. Na trama - que uns dizem ser autobiográfica - o autor narra as bizarrices da capital do submundo numa perspectiva fetichista. As sensações inquietantes e indigestas nos fazem viajar pelas cenas da capital holandesa. Não a toa é considerada a melhor novela erótica sobre o tema escrita em português.

#ficaadica



Tons inversos


E o que seria a relação Anastacia Steel e Christian Gray real?

Em primeiro lugar, o livro me despertou lembranças, emoções inquietantes e nostálgicas pelas quais me senti confortada em perceber suas existências. Emoções relativas a submissos e dominadores com os quais tive relacionamento. Logo, se as emoções existiram, é porque existe um vínculo do devaneio da autora com as reais práticas BDSM.

O vínculo maior, para mim, foi a inquietação que uma pessoa sente ao entrar neste mundo. A sensação de ser diferente, lasciva de forma insana. Não é rebeldia; é a transgressão de si mesmo. E esta sensação está impregnada nas páginas de 50 Tons, sobretudo na personagem de Anastasia, a submissa.

Outro ponto fundamental que acho similar ao real é como a submissa conduz verdadeiramente a relação. Uma fala de Gray mais ou menos no meio do livro chega a declarar essa premissa com todas as letras. Eis uma ‘verdade’ polêmica da qual sempre falei em textos e conversas. O poder do submisso é muito grande e está na sua satisfação muitas das posturas do dominador. Com a desculpa de agradar ao dono ou dona, o submisso ou submissa se submete a certas transgressões, mas na verdade testa os limites e o poder de quem está acima no chicote, exigindo disciplina, equilíbrio e estudo freqüentes, além de uma sensibilidade e responsabilidade de que pouco se fala neste universo.

Por fim, apesar de ser um livro com poucas entrelinhas – tudo passa a ser muito explícito logo na terceira página -, há algo de revelador nas tentações movidas pelo marketing de prateleira. A dominação psicológica sempre terá mais valor do que qualquer prática ou mesmo teatro SM. E se E.L. James bebeu ou não bebeu da fonte (ela nega em entrevista recente concedida à Revista Veja), só ela mesma para explicar os agradecimentos prévios do livro. Para mim, fica claro que sim. Ela dá detalhes demais para alguém que apenas imaginou um cenário sadomaso. E sabemos muito bem que quando se trata do Lado B de cada um, tudo é muito relativo. Agatha Christie que o diga...

* Texto originalmente publicado no portal iFetiche


quinta-feira, 28 de junho de 2012

A história sem fim




Há centenas de anos, alguns espíritos errantes se encontraram pela primeira vez. De modo grosseiro, alguns se feriram, outros se abraçaram em meio à embriaguez. Construíram castelos de pedra e outros de areia. Destruíram aldeias, angariaram dívidas, perpetuaram uma leva.

Muito tempo e muitas existências depois, sem um fio de memória aparente, 22 cavaleiros se encontrariam novamente com a desculpa de profanar o desejo, de mergulhar no mundano.

Aparentemente alguns nada possuíam de afinidade, já outros estranhamente se reconheceram por razões nada lógicas. Eram 22 almas sem pretensão à santidade, porém não talentosas a ponto de coordenar o inferno. Seres nem tão despretensiosos, com o intuito único de encontrar o prazer. E acabaram por encontrá-lo basicamente, simplesmente, furtivamente na amizade.

A carga do ego os cegou por algumas vezes, mas esta força intrínseca que fez com que seus espíritos errantes buscassem uns aos outros venceu todos os contratempos. Assim, o insano, o bruxo, a matriarca, o autoritário, o lúcido, a sádica-meiga, a desbravadora, o disciplinador, a isolada, o inquieto, o promotor, o generoso, a criatividade, o perdido, a brilhante, a sutileza, o iluminado, a sensatez e a originalidade vêm escrevendo esta estória / história que está apenas começando.

Vivat tarot societatis!