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quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Entrevista para a Revista Kink101

Em outubro de 2013, dei uma entrevista para a Revista Kink101. Deixo reproduzida aqui:



Lady_Vulgata, no decorrer da entrevista iremos descobrir mais a seu respeito, mas inicialmente poderia nos falar um pouco sobre quem és, sua posição no meio e como chegou ao BDSM?
Obrigada pela oportunidade de estar num trabalho que tanto admiro e que venho prestando bastante atenção em cada edição.
Eu sou uma mulher simples, de hábitos simples. Tenho 36 anos, sou jornalista e professora universitária, casada com o Kurumin, tenho uma menina linda de quase oito anos e perambulo pelo mundo desde que me entendo por gente.
No meio costumo dizer que sou Top mais por uma questão de persuasão e respeito que tenho das pessoas com quem convivo do que por práticas em si. Já me testei como sub, porém não deu certo. Meu negócio é mandar, manipular e ter quem eu amo embaixo das minhas asas.
Cheguei no BDSM de maneira inusitada. Renderia até um romance. Um ex-aluno do UniCEUB, de Brasília, sempre me convidava para tomar um chop e eu nunca aceitava. Dizia que era casada, etc. Afinal, o convite era só comigo. Se fosse um chopinho normal de professores e alunos, teria aceitado de cara. Aliás, tomara que ele possa ler essa matéria pois nunca mais nos falamos...
Continuando, ele insistiu algumas muitas vezes e num fim de aula segurou minha pasta e disse: “ninguém tem esses olhos à toa. A senhora conhece A Vênus das Peles?”
Fiquei inquieta e respondi que não. Então ele reformulou a pergunta: “conhece Sacher-Masoch e Sade?”. Então respondi que sim, mas que não havia lido nada do primeiro, só um trecho do segundo.
Então ele completou: “a senhora precisa conhecer a Wanda. São os seus olhos, os olhos de Wanda”.
Encurtando a história, ele acabou por me convencer a tomar o chop, ir até o aparamento dele e pegar num chicote. Caminho sem volta.

2. A Senhora mantém uma relação que além de BDSMer é baunilha, poderia nos falar a respeito? Quais são as maiores dificuldades que uma relação que mescla os dois mundos enfrenta?
Não vivemos exatamente o 24/7 que se prega por aí. Somos um casal normal, brigamos, temos nossas diferenças e eventualmente vivemos momentos BDSM. O que mais praticamos, quase diariamente, é podolatria e money slave. Também é comum que eu o provoque em fantasias de cuckold, mas nunca concretizamos.
Eventualmente ele é meu escravo doméstico, limpa meus sapatos, lava a louça que já estava lavada, limpa a casa e me faz massagens. Porém, no geral ele divide as tarefas domésticas comigo. Eu cozinho e ele lava a louça. Ele cuida dos animais e limpa o pátio, e eu lavo os banheiros. Ele também me ajuda muito com minha filha.; busca na escola, dá jantar, ajuda a fazer as tarefas, etc.
Então, é um companheiro, um parceiro e, eventualmente, um escravo.
Eu acho que a maior dificuldade é transpor a barreira da fantasia. Digo isso porque acredito que nem tudo o que fantasiamos deve sair desse universo. Na prática, a gente acha que é maduro mas muitas das nossas fantasias acabam por nos machucar no enfrentamento da realidade. Viver tudo que se deseja a todo o custo pode ser perigoso. Nosso casamento quase acabou por isso há cerca de dois anos. Então decidimos ser mais parcimoniosos. Continuamos testando, mas com menos sofreguidão, como se o mundo fosse acabar. Um dia de cada vez.


4. Quais são suas práticas prediletas? A Senhora tem apreço por práticas que envolvam alto grau de sadismo?
Definitivamente não sou sádica. Sei que algumas pessoas vão rir quando lerem isso, mas é verdade. Eu sou uma excelente voyeur e uma mommy maravilhosa, modéstia a parte. É só não me dar uma tala de couro, né pekena?
Como práticas preferidas, já tive algumas boas passagens pela inversão e pela hipnose erótica, ramo em que me especializei num tempo em que só dommes gringas se interessavam por isso. Fiz curso de hipnose e converso muito com uma amiga que é mestre nisso. Porém, eis uma área que mais me trouxe decepção e aborrecimento do que louros.
Hoje posso listar assim: fotografia erótica; histórias, mitos, roupas e materias medievais; disciplina com fortes doses de dominação psicológica (incluindo Mindfuck), cordas, podolatria, money slave, velas, spanking, privação de orgasmo, feminização / crossdressing, treinamento doméstico e aconselhamento de iniciantes e perdidos (sim, um grande fetiche para o qual adoraria ter mais tempo).

5. A Senhora acredita que a nossa sociedade ainda verá por muito tempo o BDSM como uma doença? É possível que exista uma "má vontade" nos especialistas em avaliar tais relações?
Acho que estamos evoluindo. Sou uma pessoa otimista. Como estudiosa do fetiche em nível acadêmico, vejo o número de monografias, dissertações e teses sobre o assunto crescer em diversas áreas do conhecimento.
No Brasil, apesar do crescimento de algumas religiões neopentecostais, que reforçam a intolerância na sociedade juntando-se à hipocrisia natural do ser humano, ainda acredito na evolução da aceitação de novas formas de amar e de relacionar-se, e isso inclui o fetiche.
Não acho que há má vontade dos especialistas. Acho que é um processo no qual somos artífices e, aqui no Brasil, nem sempre contribuímos muito. Os desejos não podem nunca superar o bom senso. Acima de fetichistas, somos cidadãos e se queremos ser respeitados, é preciso respeitar a legislação vigente.
E acho que há má vontade dos próprios praticantes que, num simples debate, se melindram com qualquer colocação que o tirem da zona de conforto. O povo não quer pensar, refletir, evoluir padrões; quer impor goela abaixo seu modo de pensar e agir, arrotar regras e ensinar como fazer as coisas. Mas na hora de ouvir e ler, qualquer colocação é motivo de ofensa. E há aqueles que minha avó chamaria de 'bois corneta', que só estão ali para tumultuar. Enfim... O que me enoja no FetLife, por exemplo, é o melindre excessivo e o ataque gratuito. Essas pessoas, sim, são doentes para mim.

6. Algumas premissas do BDSM como Liturgia, SSC, safeword são vividas na maioria das relações, em algumas de forma mais intensa que outras, no seu modo de ver, qual a importância de tais premissas?
Sou uma pessoa anárquica no que tange às regras do BDSM. Sempre fui, mas no começo eu colei em quem achava que sabia mais do que eu, que já tinha vivido coisas legais e poderia me dar conselhos. Na verdade, ainda continuo 'colada' nessas pessoas.
Também busquei ler tudo que encontrei à respeito, entrei em grupos, fiz o que estava ao meu alcance. Sou pré-web 2.0, portanto, quando comecei não existiam redes sociais. E eu respeitei muito a experiência e o 'posto' dessas pessoas, como respeito até hoje. E neste ponto sou litúrgica. Acho que respeito e confiança nunca saem de moda. E, como dizia minha velha avó cigana, 'respeito é bom é faz bem pros dentes'.
Tenho a honra de ter um mestre bondagista que é um desses lobos que admiro desde sempre, o ACM. Há algum tempo ele é mais amigo do que professor e são essas as coisas legais dessa vida fetichista. Ele é mestre de verdade e eu me recuso a colocar pessoas como ele no mesmo balaio que vejo outros por aí. Neste caso podem me chamar de quadrada, mas é como enxergo as coisas.
Sou anárquica também em relação aos meus subs. Nunca tive muito respeito deles, do tipo que se vê por aí em festas e reuniões. Não sinto prazer algum que meu Kurumin fique sentado em meus pés se não for para fazer massagem ou beijá-los, por exemplo. Que fique claro que não estou criticando nem ironizando ninguém. Pelo contrário, estou admitindo minha completa incompetência em cobrar isso dos meus partners.
Caí na risada inúmeras vezes no meio da sessão; alguns me deram 'a volta' bonito e eu não os castiguei. Enfim, sou uma completa incompetente neste quesito. Entretanto sou amiga de quase todos até hoje. Valorizo muito o que construí com cada um. Dois deles, inclusive, foram meus padrinhos de casamento e são muito amigos do meu marido. Logo, valeu a pena ser um pouco mais condescendente nestes casos.
Quanto ao SSC, acho bem válido no começo da relação. Depois, a tendência é que quem domina comece a sacar certos pontos que podem ser avançados, transgredindo o medo e a insegurança do sub. O risco vale a pena quando existe cumplicidade.
E Safeword é uma coisa que só me fez rir até hoje... nunca usei e quando alguém foi usar todo mundo caiu na risada, talvez porque fosse uma palavra mágica da série de Harry Potter...

6. A Senhora convive com pessoas do meio BDSM não só do Rio de Janeiro, mas também de São Paulo e Santa Catarina. Poder conviver com cenários tão peculiares e pessoas tão diferentes deve ter agregado bastante a sua vida. Nesse sentido, quais aprendizados poderia compartilhar conosco?
Sim, certamente. Eu gosto de conhecer pessoas, ir além da virtualidade, olhar nos olhos, conviver, saber o que elas comem, onde vivem, onde trabalham, o que estudam e o que desperta seu interesse. E não sou curiosa muito menos fuxiqueira. É por prazer mesmo. Quero partilhar de pelo menos alguns momentos dessas pessoas tão especiais, que me ensinam tanto com gestos e falas tão simples. Isso vale para os lobos e para os novatos.
Recentemente eu conheci uma pessoa que eu admirava há muitos anos e nunca tinha conseguido cruzar com ela em alguma festa: a MariaPos.
Sabe o que é você esperar a atualização de um blog e correr quando o google reads avisa? Era eu com o blog dela. Ela me aceitou como amiga no FetLife há alguns anos e eu sempre lendo seus comentários nas discussões, cada vez admirando mais sua personalidade ímpar. Pois em Julho deste ano finalmente eu a conheci justamente num evento que estava mediando em São Paulo. Fiquei mais tensa ainda com ela sentada na plateia, ali na minha frente. Mas foi muito legal. Mitos podem ser pessoas comuns que se destacam pela sua singularidade num mundo particular como o nosso.
Assim foi com o meu amado Gamal, a Vaca, a Hanna e o Le Fetiche, o Quíron e seus meninos, a Margoth e assim por diante. São pessoas muito caras para mim, cada uma ao seu modo, que me proporcionaram muito prazer, alegrias, carinho. Pessoas que transcenderam a barreira do BDSM e se tornaram parte do meu círculo de amigos.
Cada um ao seu modo expressa sua forma de prazer. O que todos têm em comum é viver suas fantasias, seus desejos, suas vontades da forma como quiserem, sem se preocupar com o que os outros vão pensar ou dando cada passo calculando o lá da frente. Eles são espontâneos, simples na forma de viver o BDSM. E são autênticos (de verdade...tsc)!

7. Cada cena apresenta características próprias, não só pelos membros mas também pelo fator cultural da região. Quais as maiores diferenças a Senhora notou na cenas que teve a oportunidade de conhecer?
A vitrine muda, mas nem sempre muda o conteúdo. O Sul já é bem discrepante nos três estados. RS é meu estado natal, mas conheço muito pouco da cena BDSM por lá. O que me contam é que é tímida e não conta com muita gente que coloque energia para que as coisas aconteçam, embora conte com praticantes antigos e bem experientes.
Do Paraná conheço pouco também, exceto por termos alguns membros no nosso grupo que vivam por lá. Mas do que sei, tem se fortalecido nos últimos tempos, promovido encontros e festas.
E Santa Catarina é a minha casa. Hoje é um estado forte no BDSM, mas nem sempre foi assim. Lá atrás era comum a gente promover encontros e irmos apenas eu e o Jonatan. Mas como a gente é bem teimoso, acabamos por furar a pedra da resistência dos catarinenses e hoje, pelo que sei, há dois grupos bem fortes por lá, grupos tangentes, onde a maior parte dos membros é amiga e realiza mini plays, além de encontros sociais com frequência.
O que o Sul tem em comum? A busca maior pelo sigilo de seus encontros. Nos outros lugares onde estive esse fator nunca teve importância para os participantes. Autopreservação? Bairrismo? Não sei. Só sei que no nosso caso é por pura afinidade e proteção, um acordo de damas e cavalheiros que tem dado certo.

8. Em Santa Catarina, estão localizados grande parte dos membros da SAT. Primeiramente, poderia apresentar o grupo aos nossos leitores?
A Sociedade Anônima do Tarô (SAT) é um grupo que nasceu do BDSM Santa Catarina, grupo fundado pela Mistress Amanda, JonatanStrange, eu, ParallaxSC, Cosmo_Vain e Pexis. Todos morávamos em Floripa, na época. Como o BDSM SC estava crescendo e já havíamos feito algumas plays mais longas, de três ou quatro dias,, queríamos montar uma espécie de núcleo, onde os participantes já conhecidos e notoriamente confiáveis ganhassem uma carta de acordo com sua energia e suas atribuições fetichistas. Pelo conhecimento sobre cartas, magia e espiritualismo de vários membros do grupo, o tarô nos pareceu uma ritualística interessante.
Houve duas partilhas ao longo do tempo e muitos agregados, partilhas estas por entendimentos distintos do futuro do grupo, não por rompimento de amizade. Hoje a SAT não conta mais com líderes e sim com membros conselheiros e todos continuam tendo as suas cartas. Assim que cumpre o tempo e os requisitos necessários do grupo, o candidato recebe a carta em cerimônia secreta.
E hoje apenas metade dos membros vive em Santa Catarina. A outra metade está em BH, Rio, Paraná e RS.

9. A SAT tem um privilégio que poucos grupos/confrarias tem no Brasil, que é o de contar com membros experientes e membros que estão iniciando no meio de diferentes idades, convivendo em harmonia e mantendo constância nos encontros. A Senhora acredita que isso acontece por qual motivo?
Foi casual. Nossa membro mais nova tem 22 anos e o mais velho tem 55 anos. Somos um grupo de amigos. Na indicação de um membro, pouco importa a idade ou tempo de experiência no BDSM. Importa a afinidade que este membro possa vir a ter conosco, com nossa filosofia e com a confiança que ele transmita.
Costumo dizer que o BDSM é só uma desculpa. Eu já fui corrigida por isso no próprio grupo, mas é verdade. Sentimos muita falta um do outro, inclusive dos que saíram, e isso nada tem a ver com o BDSM. É uma energia que nos une muito maior que qualquer prática fetichista. Eles são a família que escolhi.

10. Quais são os maiores desafios de se manter em um grupo como esse?
Apesar de sermos muito parceiros, é o ego que sempre nos derrota. Em tudo na vida é assim, não? Então, as poucas discussões que tivemos aconteceram por brigas de egos e eu não me excluo da coisa. Sou bastante egocêntrica e sou a mãezona do grupo, do tipo ítalo-judaica. Logo, tenho consciência que não sou fácil de lidar.
Outro fator é a questão do tempo que se dedica a ele. Tudo na vida é assim, se não der atenção, acaba por morrer ou ser priorizado por outros interesses. Manter uma atenção constante ao grupo nem sempre é fácil e possível por parte de todos os membros, e isso acaba por trazer fases de 'baixa', como eu costumo chamar os dias em que nossa comunidade no facebook fica às moscas.

11. Ainda sobre a SAT. Os encontros do grupo são reservados a membros e convidados, a Senhora acredita que pequenos grupos, onde existam identificação (seja de fetiches ou pensamento) entre os membros, é a melhor forma de viver o BDSM em comunidade?
Eu só consigo viver assim. Participo de muitas festas e vou à tudo que meu dinheiro e tempo permitem. Mas viver com plenitude o que gosto no BDSM, só entre eles. Fora da SAT, fui pegar um chicote numa festa em São Paulo pela primeira vez este ano como gentileza do amigo Quíron e fiz um número tímido de vela no Encontro do Cerrado do ano passado.
É uma questão de liberdade e de conforto para mim, coisas que necessito para ter prazer.

12. Para aquelas que se interessaram pela SAT, o grupo está recebendo novos membros? Onde os interessados podem buscar informações a respeito?
Na nova configuração da SAT, sim estamos recebendo novos membros, desde que indicados por pelo menos dois membros efetivos. No momento temos três em avaliação. Se entrarem mesmo, contarão um ano de experiência a partir do nosso próximo retiro.
As informações podem ser colhidas com qualquer um dos membros da SAT ou mesmo na página do grupo no FetLife. Eu mesma estou sempre à disposição. Posso demorar uns dias para responder, mas eu respondo.

13. A Senhora acredita que o BDSM é Underground? Ou que com esse advento de livros e criações relacionadas, ele se tornará algo popular? Na sua opinião, a popularização seria algo benéfico?
Acho que o BDSM é uma subcultura, classificada como underground ou não de acordo com a forma como ele ressignifica a vida de cada um. Para mim foi só uma questão de dar nome aos bois. Mas para certas pessoas significa a libertação de umas série de processos, traumas, inseguranças, etc etc.
Eu sempre li muito e me uni ao Jon inicialmente pela literatura, depois por outras afinidades. Eu acho que a literatura por si já perverte, mas não populariza. O fato de muitas pessoas terem despertado para o lado do fetiche por meio de 50 Tons e avalanches afins não desmerece o serviço dessa literatura, mas também não contribui para a evolução das práticas BDSM no dia a dia.
O que perverte é o que faz pensar a mente naturalmente libertina e cada um possui um código que só é acessível por uma linguagem adequada ao seu universo emocional e imagético, ou seja, ao seu repertório. De que adianta eu querer apresentar Verdi a quem só ouve Munhoz e Mariano desde criança? Pode adiantar sim! Assim como não devemos entrar na onda da alta e baixa cultura quando se fala em música, porque a cada um cabe a sua nota que arrepia, também não devemos condenar uma literatura mais simplória. Se está fazendo mulheres e homens felizes, está cumprido o papel da cultura pop BDSM, na minha nada modesta opinião.

14. Na sua opinião, como os praticantes mais experientes podem auxiliar a grande quantidade de novos adeptos que tem surgido?
Tendo paciência e não se aproveitando da ingenuidade das pessoas. Isso tem me tirado do sério de verdade. O que tenho visto de gente que não merece nada do meu respeito (e isso é difícil, viu) orientando, mentorando e tutorando gente iniciante, não está sendo mole.
Eu acho isso uma sacanagem, no pior sentido da palavra. Tu quer ser um crápula, um babaca, uma imbecil sem noção, ou mesmo alguém trapaceiro, seja com alguém 'do teu tamanho'. Aliciar essas pessoas quando não se honra as próprias palavras é a mesma coisa que os pastores fazem nas igrejas quando levam até a roupa do corpo dos fieis em nome da fé.
Os novatos só precisam de um Norte, de uma luz. O resto eles vão encontrar por si, cair, levantar até encontrar o que realmente gostam e querem. E ter alguém com quem eles possam contar seus segredos, que seja de confiança e não ria das suas lamúrias, é uma coisa legal a se fazer. Sei que BDSM não é caridade, porém há que se pensar sempre que o mundo dá muitas voltas. Já colhi muitas coisas boas, amizades verdadeiras, auxiliando assim como fui auxiliada no começo.


15. Algumas pessoas tem certa descrença que o BDSM pode ser integrado ao dia - a - dia de forma harmoniosa e equilibrada, quais dicas a Senhora daria para quem ainda tem receio de tentar uma relação D/s e SM?
Tudo depende, novamente, do quanto que se quer doar da vida para aquilo. O quanto tu quer empregar de tempo nessa relação, nessas vivências? Quem quer que seja um passa-tempo, vai fatalmente só esbarrar em gente que quer também passar o tempo. Quem quer viver trocando de perfil, fazendo mil fakes, marcando encontros e não aparecendo, espera colher algo verdadeiro ou que valha a pena? Se a pessoa é séria, realmente quer viver o BDSM, ela pode acreditar que vai encontrar alguém que queira viver isso com ela, seja de forma eventual ou permanente. Vai do acordo de ambos e das intenções ficarem claras, explícitas, desde o começo.
Isso vale para grupos também. Na SAT, por exemplo, a pessoa que quer entrar precisa estar ciente que vai ter que se dedicar, que participar, que doar uma boa dose de energia para o coletivo.
Meu conselho é sempre ser franco e dizer de cara o que já sabe que banca e o que não banca. Isso diminui uma série de problemas, evita desgastes e peneira a busca já no nível virtual.
E é um erro a pessoa pensar que porque é sub deve fazer tudo que o top queira. Ninguém é obrigado a nada. E relacionamentos legais, duradouros, são relacionamentos onde ambos estão por prazer, completos e porque querem.

16. O que a Senhora considera primordial para aqueles que estão descobrindo o BDSM e enveredando no mundo dos fetiches?
Ler muito, assistir filmes que remetam às ideias que norteiam o fetiche e o hedonismo, e, por fim, procurar por pessoas que possam aconselhá-lo de forma franca, segura, apontando sempre mais de um caminho, que não lhe dê possibilidades tacanhas nem tente tolher seus desejos.
E se é isso que tu queres, mete a cara, te joga e não crie tantas expectativas. Se abra às surpresas, ao inusitado. Vejo alguns dos meus pupilos se decepcionando ou tendo problemas porque criaram um modelo ideal de sub ou de dom ou de domme. As pessoas nunca vão ser o que nós queremos. Ou a gente aceita o que elas são e permita que elas nos surpreensam, ou parte para outra. Mas eu sempre prefiro a surpresa...

17. A Senhora mantém uma relação estável e muito bonita com o Kurumim, o que ele representa em sua vida?
Tiago (Kurumin) é meu amigo, meu parceiro, um homem de beleza exótica com lindos cabelos e pés, um fotógrafo de olhar ímpar, uma pessoa muito singular que me permite ser quem eu sou. Nunca me senti tão livre e confortável ao lado de alguém. E talvez nunca tenha querido ficar com alguém pelo resto da vida como quero ficar com ele.

18. Recentemente vocês fizeram uma cerimônia de casamento durante um retiro do grupo SAT. Poderia nos falar como foi essa experiência?
Seguramente foi um dos momentos mais bacanas e emocionantes de toda a minha vida. Escolhemos casar em meio à família que elegemos e eles organizaram praticamente tudo para nós. Nos sentimos carinhados, mimados, acolhidos. Todos os membros presentes foram nossos padrinhos. Felizmente o Jon caiu e trincou uma costela dois dias antes da festa e a PinkPlanner teve um pepino de trabalho no Rio. Porém, mesmo com essas baixas, foi o retiro onde reunimos o maior número de membros da SAT. Além disso, contei com a presença de amigos especiais de São Paulo, familiares e amigos de Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
A ideia foi do Duduh e da Manndy. No começo achamos que não daria, mas depois eles colocaram tanta pilha que a gente embarcou no sonho, todos juntos. Foi um ritual mágico e guardo o baú com as mensagens e pedras deles ao lado da minha cama.

19. Existe algum projeto, do grupo ou individual, que a Senhora deseje compartilhar com nossos leitores?
Eu tenho a intenção de revitalizar o iFetiche, site criado pelo meu bb Monstrinho, com ideias de vários membros do grupo e outros amigos. A ideia do site é super bacana e nunca aproveitamos muito bem seu potencial. Também pretendo retomar os workshops sobre dominação feminina em nível regionalizado, já que as opções quase sempre acontecem nas grandes metrópoles.
Além disso, fomentar a fotografia fetichista, erótica e sensual é um interesse meu e do meu marido. Sei que agora temos mais pares no Brasil, além do Le Fetiche e do Dom Miguel, que produzem imagens maravilhosas.